Exposição traz o realismo cruel, e às vezes sarcástico, de Sorocaba

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Fui nomeado o primeiro secretário da Cultura de Sorocaba assim que o cargo foi criado pelo então prefeito Vitor Lippi (eleito para o seu primeiro mandato) e aprovado pela Câmara Municipal. Era maio de 2005, eu tinha 38 anos de idade e escolhi esse cargo depois de ter tido ativa participação na campanha que elegeu Lippi prefeito. Eu afirmava ao prefeito o que ainda hoje continuo acreditando: a cultura (hábito não-hereditário) pode abrir um universo novo ao cidadão que esteve fechado sobre si mesmo durante a sua existência. Assim, eu dizia ao então prefeito que uma secretaria poderia completar o tripé de outros dois equipamentos muitos valorosos na vida da cidade: Fundec (Fundação de Desenvolvimento Cultural) e Linc (Lei de Incentivos à Cultura). Caberia à secretaria da Cultura fazer essa mediação. Falhei. Não fiz essa mediação de modo competente e o prefeito deu àquela pasta uma outra função ainda em 2005 e os que o sucederam também se fecharam na visão menor de que a secretaria da Cultura é uma promotora de eventos. Não é. Pode até ser e estar reduzida a isso. Mas ela é mais ampla. Cabe a ela pensar, articular e gerir, não fazer evento.

Lembro-me disso tudo ao ver que 13 anos depois daqueles meses como secretário (sim, sai em setembro do mesmo ano) é que o primeiro problema a mim posto foi resolvido: a exposição das 20 telas gigantes, medindo 2,50 metros por 1,90 metros, criadas, projetadas e concretizadas em pintura por Pedro Lopes com recursos públicos (não me lembro quanto, mas foi uma boa bolada de dinheiro que ele recebeu à época). Na época Pedro Lopes tinha 49 anos (hoje tem 67) e nem passava pela sua cabeça vir a se tornar membro da Maçonaria (sua loja é em São Paulo) – instituição que teve participação fundamental na história da República no Brasil e na história sorocabana que está nessa série de 20 painéis de Pedro Lopoes. Ele ainda morava com sua mãe numa típica casa da Vila Santana, mesmo bairro onde nasci e me criei, bem em frente à Igreja de Santa Rita. Pedro Lopes era amigo de Toshi (um caso à parte e bastante pouco divulgado de um artista com raiz sorocabana que ganhou o mundo e bem poucas pessoas sabem de sua história) e do João Caramez (o megaempresário do entretenimento de Sorocaba, responsável entre outras centenas de shows pela vinda de Caetano Veloso e Roberto Carlos para se apresentarem na cidade).

A necessidade, logo que fui intitulado secretário da Cultura, me levou a bater na porta de quem fazia a arte de fato na cidade. Assim, não apenas com os artistas, mas com os gestores e realizadores, fui buscar subsídio e amparo. Mas a contramão também era absolutamente verdadeira, ou seja, artistas batiam em minha porta pedindo ajuda. E uma delas veio de Pedro Lopes (lembro-me de um retrato que ele fez de mim, ainda quando era editor de Mais Cruzeiro, a lápis. Hoje, não sei onde esse desenho possa estar,  mas entendo o valor artístico daquele papel “rabiscado”). Ele queria um local para expor as gigantescas obras.

Ironia do destino nessa história é que ela fique em cartaz no Macs (Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba), que já estava concebido quando foi criada a Secretaria de Cultura, e que ganhou força para existir a partir do que falei, e muito, ao pé do ouvido do prefeito Lippi. Toda a ajuda que o Macs teve é mérito único e exclusivo de seus idealizadores (bem em específico a Cristina Delanhesi) que o criaram a fórceps, pode-se dizer. Mas teve o amparo do poder público e, especificamente, de Lippi. As decisões foram dele. Mas para decidir ele ouviu pessoas e opiniões e uma delas foi a minha. Assim, envaidecido, me sinto uma dessas pessoas que na sombra conseguem muito mais do que quando estão no holofote.

Como a história mostra, falhei em resolver o problema de Pedro Lopes de expor suas obras. Ajudei de outra forma, como dando a guarida para que ele ficasse dentro da lei na prestação de contas do que exigia a Linc quando lhe deu o dinheiro que deu para pintar os 20 gigantes painéis. E vibro agora, 13 anos depois, com a solução do problema, pois os 20 painéis de Pedro Lopes estão à altura do que se chama de arte e o que está envolvido em sua produção.

O que está exposto

Os painéis retratam cronologicamente a história de Sorocaba em seus 364 anos, portanto, desde sua fundação até os dias atuais. No primeiro painel pode-se ver a fundação da Vila por Baltasar Fernandes, em 1654, até, por exemplo, como no 14ª painel da série, que compreende os anos de 1900 a 1915 e retrata o assassinato do Dr. Braguinha (o que dá nome ainda hoje ao bulevar no centro da cidade), a chegada da luz elétrica e do primeiro automóvel.

A exposição leva o nome de “Yby Soroc” que na Língua Tupi que significa “terra rasgada”, o mesmo que Sorocaba significa em Tupi-Guarani, e passa pelas técnicas desse período de 3 séculos: Maneirismo, cujos expoentes são Parmigianino (1503-1540), Pontormo (1494-1556) e Tintoretto (1518-1594) e o Barroco, de Caravaggio (1571-1610) e Rembrandt (1606-1669) à Transvanguarda e o Neoexpressionismo atuais.

Qual a importância

O texto de apresentação da exposição, assinado pelo curador, museólogo e diretor artístico do Macs, Fábio Magalhães, explica o sentido de uma obra como a de Pedro Lopes: “São traços rápidos, contundentes, alguns agressivos, que contestam a narrativa. Desse modo, o artista questiona a interpretação histórica e sua própria linguagem”, lembrando que “a pintura histórica teve seu apogeu nos séculos 18 e 19, sendo chamado pelo pintor inglês Joshua Reynolds (1723- 1792), de grand manner (gênero que tratava de grandes feitos e de personagens extraordinários”.

Mas, o que torna importante a obra de Pedro Lopes, explica o curador do Macs, é que nela não há apologia, mas um realismo cruel, às vezes sarcástico, sobre a história de Sorocaba nela retratada.

Pedro Lopes, ao jornal Cruzeiro do Sul, afirma entender a importância de sua obra no fato dela expressar que em todas as fases da história é possível constatar que Sorocaba é uma arena de disputas: “Os conflitos sempre existiram e estão retratados [na série] e é isso que promove a dinâmica da cidade. Um território vivo está sempre constante mutação”.

 

SERVIÇO: A exposição Yby Soroc pode ser vista até 6 de outubro. A visitação funciona de terça a sexta-feira, das 10h às 17h, e aos sábados e feriados, das 10h às 15h. A entrada é gratuita. O Macs fica localizado na avenida Afonso Vergueiro, 280, ao lado da antiga Estação Ferroviária de Sorocaba.

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