Quando troquei de smarthphone, há um ano e meio, o Google Chrome continuou sendo o navegador de busca como eu já usava no anterior, mas neste aqui surgiu uma novidade: ele me sugere notícias na página de entrada.
E não consigo ver lógica no que ele me sugere. Há infinitas notícias de variados jornais portugueses sobre a previsão do tempo naquele país; há dezenas de matérias diárias sobre aposentadoria, INSS e previdência; há matérias sobre as novidades automobilísticas; há matérias sobre “artistas” e celebridades que sequer ouvi falar e no que diz respeito ao Google, sou fã nº 1 da Geisy Arruda, aquele do vestidinho curto coro de rosa, humilhada por grã-finos do Mackenzie, lembram-se dessa história?
Enfim, de cada 20 sugestões do Google, confesso, abro uma delas. E nem sempre em tempo real.
Isso aconteceu hoje. Foi sugerido que eu lesse a reportagem “A beleza e o charme de Marilyn Monroe em um lindo ensaio num dia de praia em 1957” (https://www.hypeness.com.br/2020/01/a-beleza-e-o-charme-de-marilyn-monroe-em-um-lindo-ensaio-num-dia-de-praia-em-1957/).
O autor, Vitor Paiva explica em uma série de fotos o “impacto e principalmente o legado da atriz estadunidense Marilyn Monroe que a transformariam na maior celebridade de todos os tempos, e em um verdadeiro ícone do cinema e mesmo da cultura do século 20”.
Na mesma hora me lembrei que o mesmo Google havia me sugerido de ver uma matéria sobre a apresentadora de TV Luciana Gimenez (filha da linda Vera Gimenez e mãe de Lucas, cujo o pai é Mick Jagger) de biquíni. Pesquisei e achei: “Aos 50 anos, apresentadora deixou fãs sem palavras com clique de biquíni na neve”. Em seu site, a revista Contigo narra: “os fãs ficaram sem reações e apenas elogiaram suas curvas e beleza: É Deusa; É Maravilhosa”.
Se Vera, sua mãe, não esteve perto de ser Marilyn, Luciana está anos-luz de sê-la. Não se trata, portanto, de eu querer comparar Luciana com Marilyn. Mas de comparar o corpo que representa a beleza.
Uma fã chama Luciana Gimenez de Deusa. Eu a mandaria ao médico, uma vez que ela está claramente doente, raquítica. E se estiver saudável, está horrorosa.
E antes que venham me dizer que gosto não se discute, trato de lembrar que se discute e ele é cultural, ou seja, é construído o que significa que é artificial, portanto não natural (não é da natureza).
O fato é que a relação da sociedade com o corpo vem sendo ressignificada ao longo do tempo até chegarmos ao padrão da mulher branca e magra como ícone de beleza e sucesso deste século 21. Uma estátua esculpida há mais de 22 mil anos retrata o corpo ideal o da mulher de seios, barriga e vulva extremamente volumosos, o que representaria a maternidade, considerado o maior atributo da mulher. Na Idade Média, o corpo foi negado por estar associado aos prazeres, dentre eles a gula, que é considerada um dos sete pecados capitais. No Renascimento, as mulheres que conseguiam ter uma boa alimentação eram as das classes mais abastadas, então ter formas mais arredondadas estava diretamente ligado à riqueza, ou seja, era uma época de escassez de alimentos e quem era gorda sinalizava pertencer a uma alta casta, ter muito poder e riqueza, e esse era o padrão de beleza.
Hoje o desafio é antagônico: como ser magro num ambiente de comida e bebida abundante e farta?
Ser gordo é uma punição social diária, pois a roupa da moda, o banco do ônibus, a poltrona do cinema… são feitos para corpos padrão Luciana.
Arrisco a dizer: ficar gorda é a pior punição que pode acontecer na vida de uma pessoa, em particular de uma mulher. Sua inteligência, personalidade, humor, essência é reduzida a: sua gorda, aquela gorda, gor-da.
Umberto Eco, o popular semioticista italiano, já falecido, em seu ensaio “A história da feiúra” mostra que o gordo foi sendo associado ao feio simultaneamente ao passo que o belo foi sendo diretamente ligado ao magro. Assim como a medicina vem tratando de incutir o mito de que pessoas gordas não são saudáveis apenas por serem gordas e as magras são, apenas por serem magras.
De toda essa curiosa relação, ao final sobra a pergunta derradeira: o que quis o Google me sugerindo a leitura desses artigos?
Audiência, obviamente. A cada click inocente que damos, eles ficam mais poderosos.
Há pesquisa séria nesse sentido e um campo novo de investigação já é chamado de “sociologia da obesidade” ou healthism (ou higiomania, em português), que é um julgamento moral sobre alguém com base em sua saúde ou preocupação em excesso com a saúde. De acordo com esse estudo, quem não é considerado saudável, ou faz coisas contrárias ao que é tido como tipicamente saudável, acaba sendo visto como uma pessoa ruim ou com moral defeituosa. Há quem associe a felicidade ao peso do corpo e por ai vai…