Quando é que uma data incerta (o início escalonado do pagamento de um imposto sazonal) se tornou mais importante, imediato e próximo de cada um de nós do que a morte, num período de 24 horas, de 1.726 brasileiros? É isso o que está na capa de hoje do jornal Cruzeiro do Sul quando comparada com uma capa do mesmo jornal de 25 anos atrás.
No dia 31 de outubro de 1996, um avião Fokker 100 da empresa TAM caiu logo após decolar no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, matando as 96 pessoas que estavam a bordo e mais outras 6 que estavam em terra. No dia seguinte, a manchete do jornal gritava pelo número de mortos em letras garrafais com o objetivo único de sensibilizar o cidadão para o imprevisto, incontrolável e acidental que é a vida. Notícias assim despertam a empatia, aproximam as pessoas.
Hoje, dia 3 de março de 2021, 1.726 brasileiros morreram num prazo de 24 horas devido ao Coronavírus, e o fato merece uma notinha, com letras quase sumidas, na capa do jornal. Onde está o senso de importância, de imediatismo e de proximidade da edição? Esse número de mortes equivale à queda, simultânea, de 17 aviões Fokker 100. Por coincidência, 17 é o número que o eleitor apertou na urna para eleger o atual presidente para o cargo.
Negar a doença, chamando-a de gripezinha, é, sem dúvida, um dos fatores que impediu que vidas se salvassem. A letargia para se obter vacina (o desprezo pela China, depois a vacina da Índia, depois da Pfizer e da Janssen) só agrava o quadro. O mau exemplo ao não usar máscara e o péssimo incentivo ao uso de remédios sem eficácia comprovada (como hidroxicloroquina, invermectina e outros remédios para vermes) tornam o presidente, seus eleitores e principalmente os seus fiéis fanáticos os responsáveis por essa estrondosa tragédia de 1.726 brasileiros mortos num único período de 24 horas.
Insistir na publicação do número de pessoas que “se curaram” do Coronavírus é um engodo sem tamanho, uma vez que ninguém sabe as sequelas deixadas em quem contraiu o vírus e, segundo, porque a contaminação provoca o colapso no combalido sistema de saúde.
Um amigo, liberal, investidor da bolsa, e sarcástico como ele só, num grupo de whatsapp do qual faço parte, composto por alguns ainda fanáticos pelo “mico”, sentenciou bem a forma como a morte de 1.726 foi tratada pelo presidente e seus seguidores: Stálin dizia: uma morte é uma tragédia, cem mil mortes é apenas estatística. Já são mais de 252 mil brasileiros mortos. Bolsonaro está pior do que Stálin!