O meu vizinho chinês

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Quando um homem interrompeu o avanço de uma coluna de tanques em 5 de junho de 1989, em Pequim, se postando diante das máquinas de guerra, eu havia acabado de completar 22 anos e morava na rua Bazarstraat em Deen Haag, na Holanda. Na calçada do outro lado da rua havia um restaurante chinês, local onde comi o mais farto e gostoso Rolinho Primavera da minha vida.

As fotos e filmagem do homem se posicionando em pé, parado e sozinho em frente à coluna de tanques alcançou audiência internacional quase instantaneamente, sendo capa e principal matéria de incontáveis jornais ao redor do mundo. A TV holandesa, naquele momento, foi um dos veículos que abordou o assunto e para dar a cor local do evento entrevistou o meu vizinho chinês que, como eu, havia imigrado para a Holanda.

Recém diplomado em jornalismo, fiquei encantado com a abordagem da TV e, somente anos mais tarde, fui me dar conta do fato em si, ou seja, de que o homem protestava isoladamente, porque seus compatriotas tinham medo, e que seu ato ocorreu um dia após o governo chinês reprimir violentamente os protestos de Tiananmen com testemunhas dizendo que os tanques haviam passado por cima de carros e pessoas.

O homem de pé no meio da rua enquanto os tanques se aproximavam, segurando duas sacolas, uma em cada mão, escalou até o topo do tanque da frente e conversou com o piloto. A filmagem mostra duas pessoas vestidas de azul levando o homem embora e sumindo na multidão. Levado pela polícia secreta, ele foi um dos muitos executados, uma vez que o governo chinês nunca foi capaz de identificá-lo após as fotos tornarem-se públicas. Há quem diga que ele segue vivo. Enfim, não se sabe nada sobre aquele jovem.

A foto de O Rebelde Desconhecido, O Homem dos Tanques, O Misterioso Homem Chinês foi postada ontem em sua página do Facebook pelo poeta Régis Bonvicino para protestar contra o desfile de tanques que o presidente Bolsonaro ordenou que acontecesse hoje cedo em Brasília, mesmo dia em que a Câmara deverá rejeitar a patética proposta do voto impresso do presidente. Um evento pífio que tinha o objetivo de constranger o Congresso, mas que constrangeu apenas as Forças Armadas uma vez que é impossível Bolsonaro se constranger mais do que ele faz a si próprio diariamente.

O brasileiro não tolera o extremismo de Bolsonaro, ao menos a absoluta maior parte do brasileiro não tolera. Alguns bobos ainda agem como gado e seguem-no cegamente. Vai ter eleição, será na urna eletrônica e o escolhido pela maioria vai assumir com o compromisso de restabelecer a segurança na democracia e corrigir os rumos para diminuir a crescente pobreza.

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