A tradição iniciada pela Igreja Católica, no século 10, indica o dia 2 de novembro para celebrar o Dia dos Mortos (Dia de Finados, aquele que acabou, chegou ao fim) a partir da orientação dadas aos seus fiéis naquele momento da humanidade pedindo aos vivos (nós que estamos aqui na Terra) para interceder, através de orações, vigílias, jejuns, pelas almas (dos finados) que estavam no purgatório esperando a purificação para chegar ao reino de Deus (céu) ou na pior das hipóteses indo para o inferno (junto ao diabo).
No México, o Dia dos Mortos é uma celebração de origem indígena, também comemorada no dia 2 de novembro. É uma festa em honra aos falecidos quando as almas são autorizadas a visitar os parentes vivos.
Para os católicos (não para os protestantes que não acreditam na existência do purgatório), o momento é de pedir por quem morreu e está no purgatório. Para os indígenas, é o momento dos vivos receberem a visita dos mortos. Portanto, duas situações completamente opostas.
Como católico, embora não mais praticante e sem fé, eu teria as vítimas de Covid-19, que são mais de 600 mil brasileiros, se ainda fizesse orações, em meus pedidos para saírem desse limbo, como diria Dante. Como um ser lúdico, gosto da idéia dos indígenas mexicanos e espero receber a visita de algum morto nesta terça-feira.
Gostaria que minha mãe, falecida em 5 de agosto de 2014, me visitasse e então creio que terei a coragem que não tive quando ela estava viva de perguntar qual o segredo ela guardou de mim e levou consigo para o túmulo. Um segredo desnudado em sua máscara mortuária. Se meu pai, falecido em 1º de julho de 2000, me visitasse, lhe diria o que nunca disse enquanto ele esteve por aqui: Obrigado, você fez muito por mim, pai. Queria, também, receber a visita de Carlos, morto tão jovem, aos 52 anos, no dia 16 de novembro de 2016. Lhe contaria da pandemia; falaríamos do seu homossexualismo e das tantas mudanças culturais em curso permitindo que não se sofra tanto quanto ele sofreu escondendo quem sempre foi; e iria rir muito da cara dele, externando ódio, desprezo e espanto ao saber que o brasileiro elegeu (sim, na urna, voto direto…) o presidente que temos. Diria-lhe o quanto ele faz falta e o quanto eu sinto falta do que ele sempre tinha para me dizer qualquer que fosse a circunstância.
Há tantos outros a me visitarem…
Estou lendo um livro de Michael Cunningham, onde a personagem Lucas sabe de cor poemas de Walt Whitman, que saltam de sua boca como se tivessem vida própria, e me lembrei de seu poema “Carpe diem”, nome mantido em latim, que significa “aproveite o dia”. Esse é também o nome de um dos mais famosos poemas de Horácio. Esse aproveitar o momento, o dia, o convívio, o presente… é um convite para que não percamos mais tempos com coisas sem valor, inúteis, passíveis de qualquer arrependimento. A enciclopédia ensina que o termo “carpe diem” teve origem na queda do império romano, servindo para designar algo como “cada um por si” uma vez que o império estava se desconstruindo e a perspectiva era de que o hoje poderia ser nosso último dia. Algo como “vamos viver como queremos”.