Ouço que é absurdo Gisele Bundchen ter ganhado 56 mil reais por minuto, o que totalizou 10 milhões em menos de quatro horas de trabalho, por ter comparecido ao camarote de uma marca de cerveja durante o Carnaval. Nem beber ela bebeu. Só esteve lá. Riu. Olhou ao redor e ao infinito.
E me perguntam, você não acha absurdo?
Não, não acho.
Primeiramente, o que diz o dicionário, absurdo é:
1. O que é destituído de sentido, de racionalidade.
2. O que não se enquadra em regras e condições estabelecidas.
Do ponto de vista 2, o que Gisele ganhou é o que mais está dentro da regra. É o sensato no mundo capitalista, na qual, convenhamos, a sociedade sempre esteve inserida, cujo o valor de uma marca ou produto (neste caso é o que está em questão, não a mulher Gisele, mas a modelo e todo o status que ela agrega por este fato) é similar, ou equivalente, ao interesse que desperta nas pessoas. É uma questão de demanda.
Vi, nas fotos publicadas após o evento, uma amiga no mesmo camarote que Gisele. Vi, também, outras centenas de pessoas que não sei quem são embora eu suponha que sejam ex-integrantes de algum desses reality shows e outros programas do mesmo tipo. Mas não vi ninguém interessado na minha amiga ou nessas outras pessoas. Já em Gisele…
É a marca Gisele agregando valor à marca da cerveja que lhe pagou 56 mil reais por minuto.
De onde a marca de cerveja tirou o dinheiro dado a ela?
Do suor do trabalho de cada comprador da bebida, quando o trabalhador recebe seu dinheiro no fim do mês e paga a conta no bar onde toma sua cervejinha diariamente. Não é de outro lugar. É do resultado da venda de cada garrafa.
Então, antes de se indignar, lembre-se que é o trabalhador quem pagou a conta da Gisele.
Do ponto de vista do significado 1, igualmente não vejo como absurdo o pagamento dessa exorbitante quantia a Gisele pelas razões do significado 2, porém a forma como a sociedade se organiza, e vem se organizando há séculos, posso dizer que é sem nexo em razão do abismo cada vez mais profundo da desigualdade social e de tratamento absolutamente diferente dado às pessoas. O Estado é tão desgraçadamente falho que acaba servindo, e bem, aos mais ricos, deixando aos mais pobres apenas as sobras. Os dados de qualquer catástrofe mostram isso, inclusive os recente do Litoral Norte Paulista. O perfil dos mais de 60 mortos até a totalidade dos milhares de desabrigados mostram a balança do prejuízo vital pendendo apenas para os desfavorecidos e sem proteção.
Essa distorção do Estado é absurda, não o que uma empresa privada paga para uma pessoa privada.
Mas ninguém se atreve sequer a pensar nisso, pois será taxado de comunista. E ninguém quer o comunismo, todos querem a remuneração da Gisele. Cada um que, “por curiosidade”, dá um clique em Gisele está apenas fazendo com que Gisele seja essa personagem que ganha tão bem por minuto.
É como quando Craig, no filme de 1999 “Quero Ser John Malkovich”, entra na mente de John Malkovich, mostrando o quão insignificante é sua vida e evidencia preferir ser e viver a vida de um ator do que a dele. Craig batalha ao longo do filme combatendo sua identidade, que ele não gosta. Prefere viver no virtual ao real. Algo muito parecido, semelhante, a cada um que clica em Gisele…