O cão aventureiro

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O momento do meu dia que mais me dá alegria, e o espero com ansiedade, é o de levar minha neta à escola. Somos apenas ela e eu durante 20, 25 minutos dentro do carro. Sem distrações.

Na maior parte das vezes, seguimos em silêncio. Nessas ocasiões eu até poderia instigar um papo, mas seria meu assunto e não o dela. E isso é o que acontece na maior parte do tempo, os adultos não dão chance para as crianças proporem um assunto. Então, neste instante, deixo o espaço vago para ela falar o que ela tem vontade. E se quiser ficar quieta, também é bacana. Fico observando como ela desfruta o trajeto.

Hoje ela soltou de chofre: Estamos escrevendo um livro… A Luísa, o Miguel e eu. 

Não resisti em externar meu entusiasmo e orgulho. Mas não exagerei para evitar de inibi-la a seguir conduzindo o assunto. Então ela disse: A Luísa vai escrever, o Miguel desenhar e eu vou falar o assunto da história…

Quis saber como foi feita essa divisão de tarefas e ela respondeu: A Luísa aceitou de fazer o livro comigo e então a gente convidou a Sofia, mas ela não quis. Aí eu achei que o Miguel não ia querer participar, mas ele quis e foi muito legal porque ele desenha muito, mas muito bem.

Eu retruquei: Mas melhor do que você? A nanna me disse que você está desenhando muito bem. E ela: Nonno, você não está entendendo, o Miguel é muiiiito bom.

Eu insisti: Melhor que você? Muito melhor, nonno.

Então perguntei sobre o que seria o livro. 

Vai se chamar “O Cão Aventureiro”, ela me disse.

Então eu falei: Que legal, já tem uma personagem… Vocês precisam apresentar ele?

E ela: O que? 

A pergunta revelou uma curiosidade enorme: Como assim? 

Eu respondi: É… Vocês precisam contar ao leitor se esse cachorro é grande, tem rabo, manca, é surdo, cego, tem irmão, pais, avós… E se ele não família, como vive, quem dá comida… Ele mora numa casa, no quintal, dentro… E a aventura será a partir de quem é ele…

Aí ela me surpreendeu. E disse: Espera, espera… eu preciso anotar tudo. Com o carro ainda andando ela pegou seu “moleskine” e escreveu, escreveu, escreveu…

Nonno, você também vai escrever o livro com a gente. Você me fala as ideias, eu anoto, conto pra eles… Então ela observou: Nonno, você tem boas ideias… também você adora livro! Todos os dias você lê. Você leu bastante? ela me perguntou. Eu respondi, ainda não. Ela retrucou, leu sim. Eu falei, depende. E ela: Você leu quantas páginas? Somei de cabeça a quantidade aproximada dos cinco livros que li desde janeiro e disse: Neste ano li 1350 páginas… O que? Mais de ml páginas… Ahhh isso com certeza é muito nonno.

Chegamos na escola quase uma hora antes de começar a sua aula. Ela pede para ser assim. É o tempo que ela fica no pátio e conversa com quem está por lá. Ela gosta das aulas e das atividades fora da sala.

Outro dia, quando estávamos saindo do condomínio, a funcionária, que sempre é muito simpática comigo, olhando pra minha neta me falou: Ela também odeia ir pra escola? Eu disse não, adora. Ela me disse: A minha filha odeia.

Não julgo minha neta e nem a filha da funcionária da segurança do condomínio onde moro. Elas têm a razão delas para sentirem o que sentem. Mas sendo fundamental estudar (para que não seja necessário inventar a roda todo dia), a escola deveria ser um lugar agradável e atrativo. Qualidades essas que a filha da segurança não vê ou sente onde estuda. Aposto que ela ia adorar, como minha neta adora, se tivesse amigos para fazer algo junto, como escrever o livro “O cão aventureiro”.

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