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Um homem me chamou pelo nome e me apontando ao seu amigo que lhe acompanhava, brincou: Esse cara (no caso eu) me conheceu quando eu era magro…

Ocorre que ele não está gordo, mas forte. Alto e forte.

Espremi a memória e não consegui me lembrar dele, nem o imaginando bem magro.

A circunstância do inusitado encontro na fila da padaria exigia uma rápida resposta minha, nem que fosse para lhe dizer: Não me lembro de você. Com os elementos que percebi (ele tinha no máximo 35 anos, portanto vinte menos que eu, estava muito bem vestido de camisa, sapato de primeira linha, perfumado…) afirmei, meio perguntando, você trabalha na área digital, não é… E ele disse sim. Vim saber que ele é dono de uma agência de marketing no ambiente virtual (o mundo real, do jornal de papel, por exemplo, praticamente não existe neste mais) e atende, principalmente, os clientes do Parque Industrial. 

Ele teve o mesmo instante que eu para me analisar e se pronunciar. Então ele se saiu com essa: Já parou, tá aposentado…

Ele não usou senhor, tampouco você. Foi um tratamento indefinido. Eu pensei: Minha roupa, cabelo branco (sou careca há 30 anos), meu bigode, minha polo falsa… o conjunto disso tudo me dá o ar de estragado, ultrapassado, descartado… 

É o que denotei, naquele instante, da palavra aposentado saindo da boca daquele jovem que encarnava o estereótipo do bem-sucedido.

Eu, um tanto constrangido, respondi: Nãããooo. Estou trabalhando ainda, fazendo assessoria. 

Ele me chamou por meu nome novamente e percebendo que eu não me lembrava do seu nome, gentil, pediu meu WhatsApp com o argumento de que às vezes algum cliente pede uma assessoria (deu a entender que se trata de coisa ultrapassada) e ele nunca sabe quem indicar.

Descemos a escada rolante, chegamos no estacionamento e eu entrei no meu carro. O amigo do meu amigo me olhou, eu já estava sentado no banco do motorista do meu March, e me mediu de alto abaixo, ou do pneu do carro até minha careca.

Fiquei dentro do carro um bom instante pensando naquele encontro… Não vi eles saindo, mas imaginei que estavam num carro de luxo, é o que combina com o sucesso exalado por ele.

Então a sua mensagem chegou no meu WhatsApp. No perfil dele tem o número e várias outras informações como o site da sua empresa com um nome em inglês, evidentemente. 

Lá estava seu nome e ao lê-lo minha mente fez uma viagem no tempo de 17 anos, precisamente em 2006. Provavelmente eu dei a ele o primeiro emprego (naquela época o mundo não existia apenas no virtual) de sua vida. E devo ter lhe tratado bem pela forma carinhosa com a qual ele me tratou. Não havia maldade na afirmação dele se eu já parei. Sua pergunta apenas fez eu perceber o que eu sinto de mim mesmo. E aí, convenhamos, o problema não é dele, mas exclusivamente meu…

Lembrei que havia ido à padaria para me encontrar com outro amigo com quem trabalhei e hoje ocupa cargo importante. Fui levar uma demanda de um terceiro com a intenção de resolver um litígio amigavelmente. Ele estava com pressa e me fez uma deferência: Você sabe que eu estou aqui, vim te encontrar, apenas porque é você, né! 

Eu ri, um tanto constrangido, mas com agradecimento pelo carinho e atenção.

Dirigindo, me ocorreu o fato de eu não me sentir mais pertencente a “esse mundo”…

Mas qual mundo? 

Imagino que ao menos alguns de vocês, leitores, estejam se fazendo essa pergunta. 

Não existe uma única resposta, mas é o da solidão. De sentir-se alheio à liberdade daqueles que acham que a Terra é plana, de que vacina faz mal, de cada um ser responsável pela própria felicidade… Um mundo cínico, calcado no utilitarismo, na serventia, no atendimento permissivo do bem-estar a qualquer custo, inclusive pisando em pessoas próximas se isso for necessário.

Eu não pertenço a esse ambiente, me sinto muito mal nele. E não existe mais o mundo anterior. Daí eu denotar na fala do meu amigo na fila da padaria o meu sentimento de ter sido descartado. Caberia a mim, e a mais ninguém, atitudes para ser incluído, para isso basta adotar uma narrativa extremista no mundo virtual. Mas não sou assim. Não me adaptei a “esse mundo”.

O que isso significa?  Para mim, resistir. Me respeitar. Propagar a empatia. Ser solidário. Olhar para o outro. Sorrir. E não me desesperar. 

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