Eu me lembro, quando era um adolescente no início dos anos 80, e expandia o território por onde eu andava para além da igreja Santa Rita, na Vila Santana, de ver um adesivo colado na janela lateral de um carro, no centro da cidade, com o desenho de uma bandeira estranha e a frase “Tirem as mãos da Palestina”. Achei aquilo corajoso. Claramente era um ato subversivo.
O carro era do Bachir. Não me lembro se esse era seu nome ou sobrenome. Ele vendia os melhores quibes e esfirras que eu já havia comido. Nunca soube se ele é quem fazia iu apenas vendia. Os charutos dele não eram melhores dos que os de minha mãe, que eram feitos com couve-manteiga e não folhas de uva.
Bachir, filho de sírios ou libaneses, nunca soube ao certo, com aquele adesivo trazia à realidade de uma sociedade que estava na expectativa do fim do regime militar (o que aconteceu com a eleição de Tancredo Neves de modo indireto no congresso e permitiu o governo de seu vice, José Sarney, em razão da sua morte, apenas em 1985) um tema que não fazia parte da vida das pessoas. O pouco que se sabia do assunto era pelo jornal O Estado de S.Paulo e raramente pela televisão.
Sorocaba, ainda hoje, tem uma grande comunidade de descendentes de sírios e libaneses. Pessoas importantes na história do que Sorocaba se tornou nos campos empresariais, políticos e culturais. Essa é, na verdade, a realidade da cidade e do Estado de São Paulo e também no Amazonas e Mato Grosso, os três principais estados onde os libaneses e sírios se estabeleceram desde que aqui começaram a chegar no século 18.
Nos séculos 19 e 20, até meados dos anos 70 e ainda um pouco dos 80, os judeus também tiveram uma expressiva comunidade em Sorocaba, mas aos poucos deixaram a cidade. Hoje a cidade não tem sequer uma sinagoga ou mesquita. Não que eu saiba. Sinagoga já teve, eu me lembro, na rua Dom Pedro II. Mesquita, acho, nunca. Os sírios e libaneses daqui são na totalidade, ou absoluta maioria, católicos. São maronitas. Renato Amary, quando prefeito, cujo o pai ou avô nasceram no Líbano, recebeu de modo oficial um líder maronita que conduziu uma missa na Igreja Catedral.
As duas comunidades, os imigrantes das duas nacionalidades, os filhos que aqui nasceram, sempre tiveram uma convivência harmoniosa como têm as pessoas das outras nacionalidades que aqui se estabeleceram. Essa é a realidade brasileira.
Isso mudou com o novo capítulo da velha guerra entre judeus e palestinos, que vemos há três semanas?
Não.
Ao menos é o meu sentimento. Quem imigrou, respeitando a cultura de seus antepassados, se assumiu brasileiro e vê a retomada do conflito com a mesma dor, pavor e tristeza que qualquer outro cidadão.
Até mesmo a guerra de narrativas, principalmente ocupando as redes sociais, envolvendo extremistas de direita e esquerda, é reprovada por quem tem bom-senso e deseja viver em paz.
São 3600 anos de história da humanidade. Desses todos, 3200 foram de guerra em algum lugar do planeta.
Das guerras contemporâneas, na chamada 1° Guerra Mundial, 5% dos mortos foram civis. Na 2° Guerra Mundial, 50% dos mortos eram civis. Nas duas guerras em curso, Rússia e Ucrânia e Hamas e Israel, 98% dos mortos são civis. Dados mais que suficientes para que colocassem um fim neste conflito. Mas esse é argumento para pessoas de bom-senso e empatia humana, evidentemente não para quem comanda máquinas de poder.