Atenção, cansa

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Quando me dei conta, estava sobre a lage a 50 centímetros da telha quebrada com o peso do meu corpo.

Canelas, braços e panturrilhas ensanguentadas. E a pergunta: O que estou fazendo aqui?

Na última tempestade bíblica, telhas voaram e o pedreiro só pode fazer uma gambiarra até voltar em definitivo para arrumar. Ele está atolado de serviço. Eu confio nele e decido esperar.
Então o que eu fazia no telhado?

Não foi a primeira vez que subi em cima da minha casa. Já andei dezenas de vezes sob as telhas. Mas hoje despenquei.

O que fiz de errado?

Eu recebi tantos vídeos de alerta de que entre hoje e domingo chegarão ventos que podem ultrapassar os 100km/h que, pensei (pensei, mesmo ou apenas mais uma vez fui manipulado?): Vou reforçar a junta das telhas com uma fita metálica.

Eu posso fazer isso, disse a mim mesmo.

Não. Infelizmente não posso. Não posso mais. Eu caí do telhado por onde eu já havia andado dezenas de vezes. Ainda bem que é um telhado sobre a lage. Fosse um sobre a casa e estaria todo quebrado. Ou morto.

É dinheiro jogado fora? É… Mas o pior é o sentimento de incompetência e de apatia. É a estranha sensação de dizer a mim mesmo: Porra, nem mais pra isso você serve!

Não é fácil lidar com a realidade de um corpo chegando ao limite de sua mobilidade. Menos ainda é lidar com a fragilidade emocional de sentir-se incapaz de fazer um simples conserto no que é necessário à minha volta.

O fato é que baixei a guarda (deixei-me influenciar pelas notícias do vento que vem por aí). Não racionalizei (o pedreiro virá amanhã, dá tempo de reforçar). Me iludi (é só cortar a fita e colocar na telha).

Estar sempre atento cansa. Não estar, significa ser manipulado. Adorno já havia entendido e escrito sobre isso. Eu já havia estudado Adorno.

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