Quando despenquei do telhado de casa, como já contei aqui, meu corpo percorreu os 70 centímetros entre a telha e a laje.
Não tive nenhum ferimento grave, apenas arranhões nos braços e panturillha e um roxo na sola dos pés.
Passados três semanas do fato, o que me intriga, apesar de meu esforço em entender, é a percepção do fato. Ou seja, quando a telha rompeu, não tive consciência disso. Quando meu corpo parou na laje, não tive essa consciência.
Quando me dei conta do ocorrido, com meu corpo já parado, me perguntei: O que estou fazendo aqui? E a telha quebrada, o sangue e meu corpo sobre a telha foram indícios suficientes para eu me responder, caí. Eu tinha consciência de ter subido na telha e tais indícios me deram consciência da minha queda. Mas não tive consciência do fato enquanto ele ocorria. Nada me informou: 1) A telha quebrou; 2) Você está caindo; 3) A pele das suas panturrilhas e braços estão sendo rasgados na telha partida; 4) Seus pés bateram com força na laje; 5) O Sol está torrando sua careca.
Soube disso tudo depois, pelos indícios, ao fim dos movimentos, não enquanto eles ocorriam.
Isso ocorreu porque a distância de 70 centímetros foi percorrida pelo meu corpo em milésimos de segundo? Ou seja, o pouco tempo impediu a consciência do fato enquanto ele ocorria? Ou a consciência só se dá após o fato consumado independentemente do tempo de sua duração?
Penso nisso, na individualidade do meu acidente, e no fenômeno social do avanço da extrema-direita no domínio político de diversas repúblicas em diferentes continentes.
Só nos demos conta desse fato (o avanço da extrema-direita) após fatos consumados: Trump, Brexit, Bolsonaro, Giorgia Meloni e agora Milei.
O mesmo se dá em outros âmbitos, como o fim de um relacionamento, quando se percebe que ele chegou ao fim apenas quando um dos lados propõe a separação.
O desastre de um time no campeonato, o fim de um ciclo no emprego, a falência de um empreendimento… São tantos exemplos e situações.
O que fazer?
Educação.
Mas não qualquer uma, muito menos essa técnica. O mundo precisa se voltar à literatura, aprender a transfiguração da realidade, contemplar valores estéticos (que tem dentro dele a ética), reconhecer emoções, aguçar sensações que enriqueça a percepção. Só existe uma saída e é essa. Qualquer outra é pura falácia.