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Eu tenho um dedão no pé direito. Tenho também o do pé esquerdo e sei da existência dos dois há décadas. Mas só nessa semana eu notei a existência dele. Ou, dizendo de uma forma mais exata, o dedão de meu pé direito me fez notar a sua existência.

Que outras coisas são assim?

O que aconteceu ainda é um pouco misterioso. Estava acordado desde manhã, sapatos nos pés, dirigi, caminhei, sentei, levantei, dirigi, caminhei e levantei. E já era noite quando percebi que estava evitando de colocar meus pés no chão sem me lembrar que tinha pés. Ao contrário, mancava um pouco. Então me dei conta de meu dedão. Ele tinha a mesma aparência que sempre teve. Não estava inchado e nem roxo. Mas doía. Não dava para dobrar. Nem mesmo passar a mão. 

Me lembro de ter perguntado: O que você tem?

E você não respondeu nada. Pois você não é nada além de uma parte de mim, parte que dói e me impede não apenas de andar normalmente, sem mancar, mas de mexer. Passei 57 anos mexendo meus dedos e agora esse dedão impede que meu pé direito faça os mesmos movimentos do esquerdo.

Que outras coisas mais são assim?

Em 2010, com a “Primavera Árabe” no Oriente Médio e países do norte da África, e com o “Movimento Black blocs”, em 2013, nas ruas de São Paulo, os jovens nos lembraram que nada será resolvido com a economia. Ou se a economia vai resolver algo não é essa que enriquece os 5% dos mais ricos e empobrece os 50% de pobres. 

O mundo ficou penço, à direita, na última década. Quase levaram a eleição na França, perderam a do Reino Unido e creem que levarão a dos Estados Unidos. Nas municipais do Brasil, em outubro, também esperam pender a direita para que nas eleições nacionais, daqui dois anos, também vençam.

Como meu dedão, a direita faz notar sua presença.

O significado disso se restringe a um propósito de que cada um deve cuidar de si. 

Eu disse a uma jovem que serei candidato a vereador em outubro. Ela me perguntou, quase indignada, mas pra quê? Eu expliquei que é uma questão de consciência social. Ela deu um berro, agora bastante indignada: Pára com isso! O sentido é ganhar dinheiro. Não tem essa de social. Você tá louco!

Não. Eu quero criar mecanismos para as pessoas lerem livros, criar espaços para os idosos conviverem e se expressarem. 

Isso já existe, ainda mais indignada, me respondeu a menina.

Surpreso, eu disse: Já!

E ela me disse, agora em deboche, já e chacoalhou na minha cara o celular que ela segurava numa mão. Tá tudo aqui dentro. 

Mas isso é virtual, é preciso o real, insisti.

Você vai perder tempo, ela me disse. Vai ganhar dinheiro, ela me aconselhou.

E assim eu voltei a ficar sozinho com meu dedão do pé direito me lembrando da sua existência.

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