Não consigo me lembrar como introduzi na minha rotina o hábito de tomar café. É estranho, pois sempre me lembro de coisas assim.
Em casa não foi. Não me lembro de ter visto meu pai tomar café uma única vez na vida. O que não quer dizer que ele não tomasse. Como açougueiro, ele saia de casa para ir trabalhar, ia a pé da Vila Santana ao centro, por volta das 3 da manhã. Não sei se ele comia ou tomava algo neste horário. Eu estava sempre dormindo.
Minha mãe fazia café para ela tomar com leite. Durante um tempo houve uma garrafa térmica vermelha, com listras formando um motivo xadrez, na pia da cozinha. Mas não me lembro de ninguém tomando café em casa.
Quando eu tinha 3 anos, meus pais se mudaram para uma casa de esquina na mesma rua onde morávamos. Lá meus pais tiveram um bar. Me lembro do baleiro que emitia uma sirene quando era girado. Me lembro de um fatiador manual de frios. Me lembro de uma máquina que tocava música quando se punha uma moeda nele (isso durou pouco). Me lembro da mesa de bilhar, onde se jogava também futebol de botão. Me lembro de uma máquina de moer os grãos de café. Mas não me lembro de ninguém tomando café no bar.
Não fiz parte do grupo de amigos que varavam a noite estudando e para se manterem “ligados” tomavam café.
Tenho uma amiga que não toma café depois das 5 da tarde senão perde o sono. Um amigo virtual escreveu o mesmo esses dias, que não toma depois das 4 senão atrapalha para dormir. Não sou sensível a isso. Durmo de qualquer jeito, inclusive depois de um expresso.
Ultimamente, e bota anos nisso, não tomava um expresso de respeito como tomei na véspera de feriado no café dentro da Livraria Nobel que está sob nova direção. Um expresso digno. Nada dessas abomináveis cápsulas. Que praga! Destruiu o café. A propaganda introduziu o conceito de nespresso. Botou galã para vender e o consumidor, como gado, aceitou essa porcaria. No mundo, não apenas por aqui. Eu joguei a toalha quando a padaria Real se “rendeu” a essa praga. Parei de tomar café onde há esse desrespeito.
Me lembro de adolescente, primeiro ano de faculdade, 1985, centro de Campinas, ter descoberto um dos prazeres campineiros: Tomar um dedal no Café Regina. Dedal por que era uma xicrinha de porcelana para um gole. Tinha expresso, claro, mas era o coado, que saia um atrás do outro tamanho o movimento, o carro-chefe do local. Anos depois vi algo parecido em Curitiba. Em Santiago, se não estiver confundindo, vi o Café com Pernas. Era um balcão sem sua parte frontal onde as moças que serviam o café usavam minissaias. Em Montevideu, gostei do Café Sorocabano. Ficava imaginando Mário Benedetti, um de meus autores preferidos, numa daquelas mesas. Em Buenos Ayres tem o Tortonni, há mais de século em atividades, mas gosto de passar no London, onde Júlio Cortazar escreveu algumas de suas páginas, inclusive de “Jogo de Amarelinhas”. Em Cartagena, na Colômbia, tomei um dos melhores cafés de minha vida. Foi num dia em que Gabriel Garcia Marques estava na cidade. Na Espanha, França, Portugal, Holanda os cafés estão por todos os cantos onde um dia fui. Mas não me lembro de ter visto em Anyang, cidade irmã de Sorocaba, na Coreia do Sul, algum café. Em Seul, sim, tinha vários.
Nos últimos dias, tenho parado no balcão do Carlinhos no Mercado Municipal para tomar um cafezinho. Não é uma maravilha, mas também não é ruim.