A felicidade 

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Eu estava com um amigo em seu escritório, de saída, quando ele me perguntou se eu queria ir com ele aonde ele estava indo. Por acaso, na empresa de um outro amigo. Eles negociavam a compra/venda de equipamentos.

Eu não entendo nada do negócio deles. Aliás, pouco entendo de negociações. Não tenho habilidade alguma para comprar barato e menos ainda de vender caro. Quem junta dinheiro é quem tem essa capacidade.

Mesmo assim fui nesse encontro, mesmo sem ter como contribuir com a conversa deles. E valeu a pena. Não apenas porque rendeu um espaguete com creme de leite, cogumelos e parmesão de almoço, mas porque fiquei de papo com o Nivaldo. 

Homem forte, na casa dos 40 anos, Nivaldo migrou do sertão mineiro, uma cidadezinha onde não tem nada, segundo ele próprio, e, em Sorocaba, se tornou um competente motorista de caminhão que puxa 180 toneladas de pedra de uma única vez de qualquer terreno, frisa ele. Também tem habilidade naquelas máquinas pesadas que movimentam a terra, abrem valas, cavocam o chão como se ele fosse maleável.

Nivaldo, que tem as mãos grossas e calejadas, que tem a pele morena de nascença manchada de terra e óleo, ficou de papo comigo enquanto meus amigos, homens de negócio, ajustavam os detalhes da compra/venda que lhes interessavam. O preço estava ajustado, agora era acertar o prazo de pagamento.

Nivaldo me contou que tudo anda difícil ultimamente. Pensei que fosse pelo preço da comida, pelo aluguel, enfim, das “coisas”. Isso está tudo bem, ele me surpreendeu. O problema é que ele está tendo muito gasto com seu filho de 11 anos.

A primeira situação que me passou pela cabeça é de que o menino estivesse doente. Longe disso, doutor. O menino só me traz felicidade. Então ele me contou. Seu filho está na Escolinha de Futebol do Desportivo Brasil e para a criança jogar lá o pai de cada uma precisa pagar pelo uniforme, pagar por jogo, são mais 400,00 para ônibus, refeição e os líquidos que eles tomam para hidratar. Tem que pagar a inscrição do campeonato, também. A gente é assalariado, tá pesado. 

Ele é bom de bola? Eu quis saber. 

E o pai me explicou: Eu consegui botar ele num campeonato em São Paulo e ele jogou no time do filho do Fagner (veterano lateral do Corinthians), do Ronaldinho (não sei qual deles) e de outros que nem sei. Aí que o Desportivo chamou. 

Nivaldo tem esperança que logo o seu filho assine contrato. O filho de um colega meu, aos 13 anos, acaba de assinar contrato com o Corinthians. 

Nivaldo não me falou nada, mas está claro que ele acha possível melhorar de vida se seu filho se der bem. Ele é lateral direito e meia atacante, me esclareceu. Ele, quem sabe, seja um Endrick, né Nivaldo? No nosso papo, que chegava ao fim com meus amigos saindo do escritório da empresa e vindo no chão de fábrica onde a gente estava, Nivaldo abriu pela primeira a boca, deu um sorrisão, onde pude ver seus dentões mal-tratados pela vida. Foi seu modo dele me dizer, sim.

Logo, imagino eu, Nivaldo vai precisar por botar dentadura. O pai do Endrick também precisava e o Jaílson, então goleiro do Palmeiras, lhe pagou pelo tratamento. Endrick, aos 16 anos, foi vendido ao Real Madrid. Aos 17 anos, há duas semanas, se tornou o jogador mais jovem a fazer gol no estádio de Wembley. Que o sonho do Nivaldo se realize pelo seu filho. O fato é que Endrick é exceção. Para cada Endrick são milhares de filhos de assalariados que ficam pelo caminho.

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