Protegido pela distância, no alto do palácio que preserva a memória, história e ação visual do Brasil, o Instituto Moreira Salles, na avenida Paulista, outrora o metro quadrado mais caro da América Latina, eu me deparo com o que mais me choca e assusta: famílias inteiras que não conseguem mais ter um local para morar.
Eu luto diariamente para chamar a atenção dos meus pares com a intenção de não permitir que eles “normalizem” a pobreza na qual estamos acentuadamente mergulhados.
Jonathan Frazen, meu autor estadunidense vivo preferido, na introdução à edição de 2002 do livro “O Homem no Terno Cinza de Flanela”, de Sloan Wilson, de 1955, defende a ideia que o livro trata do conformismo de uma sociedade e de que “a harmonia de uma sociedade depende da harmonia de cada uma de suas famílias”.
As famílias das pessoas morando no vão livre da avenida Paulista estão despedaçadas.
As famílias das pessoas que estão na calçada, no ponto de ônibus, esperando a condução que lhes levarão novamente para suas casas, ainda resistem.
Esse desequilíbrio não pode ser “normalizado”. Tem que chocar!
Como chegamos até esse ponto?
Isso pode ser entendido a partir do economista Pérsio Arida, um dos formuladores do Plano Real, e coordenador do Plano de Governo da chapa Lula/Alckmin, na entrevista que ele concedeu à jornalista Anais Fernandes, do jornal Valor Econômico, onde explicou o momento pelo qual passa o país: “Nosso primeiro compromisso tem que ser com a democracia. Estamos vivendo um retrocesso civilizatório. Ameaça às instituições, esvaziamento dos órgãos de controle, irresponsabilidade com o meio ambiente, estímulo à violência, cortes ao financiamento da ciência, o desastre das escolas fechadas durante a pandemia, a defesa da hidroxicloroquina e a demora em comprar vacinas. A política econômica desse governo é lamentável: nenhum progresso na reforma tributária ou administrativa, a economia brasileira continua fechada, a única privatização que houve foi a pior da nossa história e os furos do teto de gastos são vexaminosos”. Não dá pra aceitar o que está aí e muito menos razoável é desejar que continue.