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“O Grito” é o nome de uma série de quatro pinturas do norueguês Edvard Munch, datadas de 1893. A obra representa uma figura andrógina (não se sabe se mulher ou homem) num momento de profunda angústia e desespero. O plano de fundo é a doca do fiorde de Oslo ao pôr do sol.

O meu grito não é esse. Sequer é meu. Não saiu de minha boca. Mas também é único. Foi disparado por uma mulher, jovem, suponho que esteja na casa dos 25 anos. Eu vi seu grito. E também ouvi quando ela estava no acostamento da rodovia José Ermírio de Moraes, no lado esquerdo, junto ao canteiro central da via no sentido capital. Ela quer ir à outra margem onde fica o ponto de ônibus. O plano de fundo é a grama do canteiro e o teto da fábrica Flextronis. Suponho que ela trabalhe ali. É o meio da tarde, por volta de 15h, um pouco menos. É sexta-feira. O movimento de carros é constante. Um fluxo sem fim. Eu estou num desses carros. 

Eu começo a olhar a moça um quilômetro antes de chegar aonde ela está. Minha velocidade é de 90km/h, como a dos outros carros. Um está bem próximo do outro. É impensável brecar. A moça olha o ônibus, do outro lado, partindo. Olha o fluxo e sabe ser impossível atravessar. Então ela tem o que minha mãe chamaria de estremilique. O que Munch chamou de angústia e desespero. O quadro, por motivos óbvios, não tem som. A cena na Castelinho, tem. Eu ouvi. Mesmo com o som dos motores dos carros. Mesmo com meus vidros fechados. Mesmo com o barulho do ar condicionado. Ouvi o som do angustiante desespero daquela moça em não poder fazer nada. Seu corpo todo tremeu. A jovem estava confinada ali. Perdeu o ônibus. Outro só em uma hora. Ou mais.

Eu esperei o ônibus por mais de duas horas ali, no km 3 da Castelinho, quando eu tinha 15 anos, era aluno do Senai e estagiário na BSI. Eu senti a dor daquela moça. E me lembrei de minha dor ao ver a dela.

Me lembrei que o irmão da amiga de minha filha caçula morreu perto dali, uns quilômetros antes, quando tentava atravessar a mesma Castelinho.

Em segundos meu carro estava longe e a jovem sumiu no retrovisor do meu carro. Eu nunca mais saberei dela, mas seu grito e seu rosto seguirão comigo para sempre. Assim como a personagem de Munch seguiu com ele. É só uma história que vi. Mas bem pode ser a metáfora de uma vida. De ver passar o bonde da história. De não poder fazer nada pra mudar o que acontece e impede os desejos de se realizarem. Mas é só uma cena. Que eu vi. E também ouvi!

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