Acesso à literatura, meritocracia, trabalho infantil, solidão

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Na manhã desta sexta fui entrevistado na rádio Metropolitana de Sorocaba (FM 99,1) pelo pastor Cristiano da Igreja Universal do Reino de Deus e pela jornalista Rafaela Dias sobre, no momento, estar como secretário de Comunicação da Prefeitura de Sorocaba no governo da prefeita Jaqueline Coutinho.

A primeira pergunta disse respeito ao TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) assinado pela prefeita Jaqueline Coutinho com o Ministério Público do Trabalho com o objetivo de combater o trabalho infantil em Sorocaba.

Isso gerou o desdobramento para outros pensamentos e questionamentos não apenas dos apresentadores, mas dos ouvintes. Muita gente temendo que tal medida possa levar alguém a acionar o Conselho Tutelar quando um pai, por exemplo, que tem um pequeno comércio na porta de casa for ao banheiro e deixar o filho menor tomando conta.

Evidentemente que não se trata disso.

O combate ao trabalho infantil visa garantir a toda criança o direito a ser criança o que inclui acesso a escola e educação no correto período de sua idade. Identificar os números e as letras na idade de 0 a 5 anos, na chamada primeira infância, faz toda a diferença no momento em que a criança vai passar pelo processo de alfabetização, afinal é nessa faixa etária que o futuro de qualquer pessoa começa a ser definido. Um jovem de 18 anos que nasceu numa casa onde teve 5 refeições por dia, com acesso a todo tipo de informação (livros, jornais, revistas, TV, internet…), com disponibilidade para o lazer, com oportunidades de variados tipos de relacionamentos (esportes, igreja, clubes…) estará num patamar infinitamente acima de outro jovem, igualmente de 18 anos, que não teve as mesmas oportunidades do que ele.

É hipocrisia falar em meritocracia quando se coloca para competir numa prova de velocidade uma Ferrari ano de fabricação 2020 contra um Mobi ano de fabricação 2020. Ambos são 0km, novos, recém-saídos da fábrica, nunca foram usados… mas o tempo de investimento de um modelo para o outro é incomparável.

Minha missão como agente público (seja como jornalista, blogueiro, secretário) é o de lutar para que as crianças tenham chances mínimas de terem uma vida mais digna e feliz. Entendo que o acesso ao livro é um primeiro passo neste sentido. Entendo que muito pouco foi feito e vem sendo feito em Sorocaba (e no Brasil de um modo específico) para que as famílias tenham acesso ao livro e, em específico a literatura.

As histórias inventadas dos livros são as únicas capazes de dizer a verdadeira “verdade” da época em que eles foram escritos. As narrativas “objetivas” do jornalismo e da publicidade ajudam a se entender o imediatismo dos fatos, mas apenas a literatura possui a capacidade de ordenar as ideias e ideologias de um tempo de modo a ajudar as futuras gerações a tomarem decisões sobre o que desejam construir.

Há uma brutal desigualdade entre nós. Algo chocante. E é urgente que a sociedade tome uma decisão sobre isso.

Vou dar um exemplo dessa desigualdade: passo a maior parte do meu tempo, nos dias abafados e de calor infernal que têm feito em Sorocaba, no ar condicionado. Seja me deslocando, no carro, em casa ou no meu local de trabalho. Dia desses, a mulher da limpeza entrou e exclamou: nossa, aqui é geladinho! E eu falei: sim, é o ar condicionado. E ela replicou: é o ventilador. Eu corrigi: Não, o ar condicionado e apontei para cima, onde fica o aparelho. Ela me fez uma cara de ué! Eu a convidei para se sentar. Levantei-me da minha cadeira, lhe servi um café, adocei. Vi que precisava de minha autorização, então lhe dei, e ela tirou as luvas grossas de borracha que usa para recolher o lixo dos cestos das seções. Do meu jeito expliquei o que era o ar condicionado e ela ficou contente. Fui puxando assunto: nome, onde tinha nascido, filhos, marido, religião, do que gosta, o que faz… Até a pergunta que tanta curiosidade me desperta: Livro? Não senhor, não gosto de ler, me embaralha a vista. Não, nunca deram livro para mim… Não, nem a Bíblia. Eu gosto de ouvir a Palavra. Gosto quando o pastor fala para a gente ter fé. Não, quando era criança meu pai falava que menina não precisava estudar…

Minha curiosidade estava já satisfeita. Eu tinha diante de mim um exemplo do que combato minha vida toda: quem não tem acesso aos livros fica com os piores empregos (e também salários, obviamente) em nossa sociedade. Mas, ainda assim, fiz uma última pergunta: quando a senhora vai se aposentar? Ah, não sei não senhor. Mas está perto, não é, quantos anos a senhora tem? E, timidamente, ela respondeu: 54.

Eu fiquei atônito, confesso. É uma mulher da minha geração, afinal tenho quase 53. Uma mulher que aparenta ter quase 70 anos me diz que tem 54. Uma mulher com rugas e que renunciou a qualquer vaidade, abandonou a feminilidade que lhe é inerente. Uma mulher triste. Uma mulher que me falou da solidão e do vazio desde que o marido decidiu ir embora.

Ela é uma pessoa de quem lhe roubaram a chance de conhecer a si própria. Lhe confinaram à dependência masculina e que se viu obrigada a se prover quando não havia como se sustentar, mas vive na solidão e no vazio sem a presença de uma companhia. Quem se comunica com ela, ela me disse no “interrogatório” ao qual lhe submeti, é Ratinho e Sílvio Santos, seus preferidos…

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