Quando eu tinha 17 anos, e me mudei para Campinas para cursar faculdade, arrumei um emprego de vendedor na Livraria e Editora Papirus. Um dia um dos donos, seo Paulo, reuniu o gerente e alguns vendedores, entre eles eu, e fomos todos a São Paulo na Bienal do Livro daquele ano de 1985. Fiquei com um orgulho danado de mim mesmo por ter sido escolhido para ir na bienal.
Aquilo me atordou. Era muita gente. Minha experiência com multidão era o jogo do São Bento (rsss). Era o ginásio de esportes. Eu nunca tinha visto um lugar fechado tão grande. Bancas e mais bancas e estandes de livros. Brindes. Livros grátis. Folhetos e folders gratuitos. O visitante é sufocado.
Uma semana depois, seo Paulo me chamou e disse: “Filho (sim ele usou este termo) eu não te pago para ler meus livros, eu te pago para você vendê-los”. E ele continuou: “A pessoa entra aqui para comprar um livro e você começa um debate com ele…” E prosseguiu: “Filho, e ele foi subindo o tom de voz, não quero saber se quem entra aqui vai levar o Walter Benjamin, o Jorge Amado, o Chico Xavier, Machado de Assis ou o livro da corujinha… Eu vendo isso aqui (e ele pegou um livro qualquer que estava ao alcance de sua mão e começou a chacoalhar no meu nariz) e não isso aqui (e ele começou a folhear o livro e a ler em voz alta).” Eu, timidamente, lhe perguntei: o senhor vai me demitir? “Nãoooo… vou botar você pra fazer pacote.” Também não deu certo, eu não tinha capricho para fazer embrulho bonito pra livro ruim.
Tudo isso repousava em algum canto da minha memória até o começo da tarde desta quarta-feira. Depois de ter almoçado feijoada num boteco da rua Santa Cruz na Vila Mariana, decidi ir à bienal.
Que arrependimento!
Na avenida 23 de Maio, um infernal de um congestionamento fez o trajeto durar 54 minutos. Chegando lá, vi um estacionamento que quis me cobrar 45 reais. Fui, então, no oficial e custa 60 reais. Havia milhares de carros. O dono embolsou uma fortuna. Então não entrei e fui embora pensando que com esse dinheiro (os 60 reais do estacionamento) é possível comprar meu livro, que custa 50, ou o mais recente do meu amigo Márcio Blanco Cava. Temos a mesma editora, a Miraveja, que está na bienal com apenas 4 livros do seu catálogo (o meu não está entre eles). Na Estante Virtual, é possível comprar O Som e a Fúria de William Falkner (Palmeiras Selvagens, não dá, já aviso). Dá pra comprar Alberto Moravia (estou lendo e adorando 1934), mais atual que nunca neste Brasil fascista. Enfim, com o dinheiro do estacionamento é possível acessar o universo… Sem desperdício!
Ahhh, falei só do estacionamento. Mas tem que pagar mais 30 pra entrar e sofrer com gente, aglomeração, poucos banheiros e nenhum bebedouro.
Eu nunca fui convidado para ir a bienal de 1985 por estar entre os importantes vendedores da Papirus para ir a Bienal, mas para ver que livro é livro independentemente de sua qualidade ou conteúdo.
A 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo é, como sempre foram as bienais anteriores, apenas o “encontro das principais editoras, livrarias e distribuidoras de livros do país, que apresentam seus mais importantes lançamentos para ano”. Ponto. Nada mais. Qualquer outra coisa é papo dos noticiários que passam outra mensagem ao seu público: O importante do evento é o conhecimento, é a literatura, a pesquisa, o texto, o autor… Mentira! Só importa vender o objeto. Não que isso não seja importante. É. O autor fica com 8% do preço de capa e sonha em viver desse ofício. Sonha, pois não dá.
A bienal nivela todos seus autores. Todos os livros são tratados como iguais.
Uma farsa!
Os livros são diferentes. Os autores… A qualidade… Não é enchendo o saco das crianças, levando elas para passar sede e fome numa bienal, que irá despertar nelas o gosto pelo livro e o respeito pelo autor. Antes do consumidor, tem de existir um leitor. O Brasil (o mundo) precisa de leitura, leitores, e não de compradores de papel encadernados. Tá bom… eu sei que é melhor a bienal do que o clube de tiro. Mas esse assunto só existe num país que negligenciou (e não apenas está negligenciando) a formação de leitores. Isso vale tanto para o governo do sociólogo quanto para o do operário.