Ainda estou sob o impacto de vivenciar a eternidade numa fração do segundo

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Moto

Guardo na memória um grande momento da faculdade de jornalismo, bom digo das aulas (rsss), e que me marcou muito em Filosofia, do professor JB, e dizia respeito ao instante em que não há tempo para que o Homem e o Profissional se manifestem conjuntamente. Um deles terá a prioridade diante do fato. É tão rápido este instante que é o instinto que levará à ação. Não haverá espaço para a racionalização, ou seja, para que se escolha como agir. Essa aula a qual me refiro, foi ainda no 1º ano de faculdade, portanto, falo de 1985, de algo ocorrido há 32 e de alguns meses antes de eu completar 18 anos. Lembro-me das calorosas discussões e do quanto havia de motivação e interesse em expor o que se pensava, de contradizer o que o outro expressava e o de elaborar um novo modo de pensar. A juventude tem o grande mérito de ser o instante onde tudo está por ser feito; há o desejo e a vontade de saber o que o outro pensa e a chance de que um novo conhecimento ser construído.

Pois bem, conto tudo isso para dizer que me deparei com este instante.

Logo após apresentar O Deda Questão no Jornal da Ipanema (FM 91,1Mhz), na sexta-feira passada, fiz um trajeto de carro da sede da rádio, na divisa entre Sorocaba e Votorantim, e segui a avenida Dom Aguirre até alcançar a avenida Afonso Vergueiro. Logo após cruzar a praça da Bandeira, no cruzamento com a rua Miranda Azevedo, um caminhão com placa de São Paulo parou de maneira um tanto abrupta quando o sinal ficou amarelo. Deu a impressão de que iria passar, mas parou. Um motociclista vinha logo atrás do caminhão e diante da parada brusca (ou algum outro fato que lhe tirou a atenção) a moto derrapou. Sua velocidade, certamente, era menor do 20km/h. Eu estava quase parado. Mas vi a moto caída deslizar para debaixo do caminhão e o motociclista, ao invés de soltar o seu corpo, tentar apoiar-se na perna direita. A força abrupta do pé no chão e o corpo em queda quebrou o osso no meio da canela. Bom, pode não ter quebrado, mas a canela ficou como um L.

Ainda de dentro do carro, sem sair, liguei 193. Aliás, nunca havia sido o primeiro a chamar o bombeiro em uma emergência. A moça que atendeu quis saber o nome da rua, o número, o meu nome, o número do meu telefone, quantas vítimas, o que tinha acontecido, se o caminhão tinha ido embora ou parou ajudar. A cada pergunta eu revelava a ela o meu desespero e ao revelar a ela me dei conta do quanto estava impactado com aquela cena. Eu dizia: moça você está muito calma e fazendo muitas perguntas, manda a ajuda logo. E ela fazia uma nova pergunta. Até que me disse que estava mandando o socorro. Neste momento, pelo menos uns 5 homens pararam para organizar o tráfego, proteger o motociclista estatelado na pista e impedir que algo ainda pior lhe acontecesse. Entendi que tinha feito minha parte ao chamar o socorro e que não tinha nada mais a fazer do que aqueles outros motoristas já faziam. Fui embora e não vi a chegada do bombeiro.

A cena toda me deixou sob o impacto de que existe a fração de segundo. E os acidentes acontecem nessa fração. Não levou um segundo para o motociclista ter a perna em L, mas fração desse segundo. Uma fração que vai mudar a vida desse motociclista pelos meses ou ano em que terá aqueles aparelhos horríveis na canela para que o osso volte a ficar “normal”. Uma fração que vai mudar para sempre a vida dele. Nunca mais a sensação daquele instante sairá dele. Para a canela ter virado o L foi a fração do segundo, mas para ele se dar conta de que a perna estava um L levou segundos. Ele tentou se levantar e desabou ao se dar conta que aquele L não estava sob o seu comando. Ele ficou deitado no chão e com uma das mãos cobrindo os olhos. Fui embora pensando que “filme” passou pela sua cabeça. Estava pensando no filho? Estava indo trabalhar? Estava vindo de onde e indo para que lugar? Pensava no pai? Ele, por ser motociclista, já havia pensando que um dia poderia se acidentar? Aquela sensação de impotência, estatelado no asfalto, fez com que passasse algum filme pela cabeça dele? Foi ali, no chão, ou em casa depois de ter tido alta do médico que ele passou a pensar: por quê? Por que comigo? Por que eu?

Viver é imprevisível, incontrolável e acidental. Esse é o meu mantra de vida. Mas se ele serve para me acalmar em momentos de normalidade, se deparar com essa fração de segundo me deixa com uma sensação de impotência, fragilidade, desamparo. Uma sensação que engulo, afinal o cotidiano está ai para ser vivido. A vida não pára. E as frações de segundos se acumulam e se eternizam nas consequências dos atos acontecidos.

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