Após divergência entre jornalistas e diretoria do Cruzeiro do Sul sobre o teor do noticiário da greve geral, diretor (que também é promotor público) lidera censura ao noticiário e coloca em dúvida este momento da história de 115 anos do jornal

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FUA

Expediente do Cruzeiro do Sul com os nomes dos jornalistas e sem o nome deles fato que acontece em retaliação ao ato de ingerência e censura que diretores impuseram aos jornalistas

O jornal Cruzeiro do Sul, fundado em 1903 como porta-voz do movimento Republicano (regime que sucedeu ao Império e se mantém até hoje no Brasil) e que passou para o comando da Loja Maçônica Perseverança III em 1964, quando um grupo de diretores comprou o jornal que então era propriedade da família de Hélio Freitas, viveu na última sexta-feira um dos episódios mais tristes de sua história.

Neste dia, um de seus diretores, o promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude de Sorocaba, Antônio Domingues Farto Neto, que é membro do Conselho Consultivo da FUA (Fundação Ubaldino do Amaral) cujo os integrantes são todos da P-III, teve a pior atitude que um de seus dirigentes já teve na história dos últimos 50 anos do jornal.

Primeiro, ele assume o comando do jornal passando por cima do presidente do Conselho Administrativo da FUA e diretor-presidente do jornal, José Augusto Marinho Mauad (Gugo). Segundo, passando por cima do editor-chefe, José Carlos Fineis. Ambos não estavam presentes no jornal. Terceiro, sem saber a quem se dirigir no comando da edição daquele dia do jornal decidiu partir para cima dos jornalistas de maneira grosseira, em tom de voz alterado. Ele ditou o teor da manchete do dia seguinte: Greve prejudica trabalhadores.

O que dizem os jornalistas do Cruzeiro do Sul

Os jornalistas, inseguros, preferem conversar comigo em off. Entendo a posição deles e reproduzo o sentimento deles sobre este momento:

Nossa cobertura estava correta e isenta. A intervenção feita por esse diretor foi no sentido da não isenção. Prova é a manchete opinativa: “greve prejudica a população sorocabana”.

Os jornalistas não podiam colocar o nome numa edição que nos foi imposta.

A situação é muito delicada. Posso dizer que a atitude desses diretores foi à revelia do Gugo, que está licenciado e também não concorda com isso. Isso é bom frisar, a bem da verdade.

Os jornalistas não podem admitir grupos de interesse usem o jornal. Nossa luta é pela liberdade de informação e pela pluralidade e independência. Não queremos ser uma Veja ou Carta Capital. Vamos lutar contra essa tentativa de usurpação do nosso jornalismo.

Foi uma aberração isso que aconteceu. Uma reunião de toda a equipe vai votar votar um manifesto à diretoria da FUA. Se algum jornalista cair, vai cair de cabeça erguida, lutando por um jornalismo honesto.

Nós jornalistas estamos inseguros e tristes com essa repressão. Parecia que o Brasil vivia numa ditadura velada e esse episódio dessa diretoria deixou claro que vivemos numa ditadura assumida.

 

O que diz a diretoria do Cruzeiro do Sul

O diretor Farto Neto, em nome da diretoria da FUA, respondeu ao meu questionamento sobre o ocorrido.

Minha pergunta foi:

Farto Neto, boa noite, tudo bem? Estou fazendo uma reportagem sobre a ausência dos nomes de jornalistas nas edições do Cruzeiro do Sul. O que apurei até agora é que o senhor esteve à frente de uma determinação para a mudança do teor das reportagens. O senhor entendeu que as reportagens eram pró greve e o senhor ditou o texto contra a greve. Inclusive ditou o teor da manchete. Quero saber:foi isso mesmo o que ocorreu? Por que o senhor esteve no jornal?

Enfim conto com a sua ajuda para contar do modo mais verdadeiro essa história.

Boa noite e obrigado pela atenção.

A resposta do Farto Neto:

Deda, acerca da mensagem que você me enviou, agradeço seu contato e entendo sua preocupação, tendo em conta que você já trabalhou no Jornal Cruzeiro do Sul e em outras empresas de comunicação.

Ocorre que deliberações estratégicas de Conselho Superior ou de Conselho de Administração de qualquer empresa séria, como é o caso de nosso centenário jornal, não podem nem devem ser discutidas fora do âmbito interno.

Bom feriado.

O que diz o Sindicato dos Jornalistas

Censura e assédio moral no jornal Cruzeiro do Sul são encabeçados por promotor de Justiça: Desde dia 29, o jornal circula sem assinatura do editor-chefe e dos jornalistas

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) – Regional Sorocaba vem a público denunciar e repudiar a censura e o assédio moral sofridos por jornalistas, fotógrafos, diagramadores e editores da redação do jornal Cruzeiro do Sul, sediado no município de Sorocaba e mantido pela Fundação Ubaldino do Amaral (FUA), quando da cobertura da greve geral, ocorrida no dia 28 de abril de 2017.

Segundo relatos que chegaram ao SJSP-Regional Sorocaba, estamos diante de primeiro caso no interior do Estado de São Paulo de censura explícita dentro de uma redação, com imenso aparato intimidatório, após o fim da ditadura civil-militar no Brasil.

Conforme denúncias recebidas, o promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude de Sorocaba, dr. Antônio Domingues Farto Neto, que é membro do Conselho Consultivo da FUA (mantenedora do jornal em questão), comandou um dos episódios mais tristes e repugnantes da história do centenário jornal Cruzeiro do Sul ao promover um verdadeiro aparato de agressão moral para censurar o trabalho jornalístico dos referidos profissionais de imprensa.

Ainda conforme informações levantadas pelo SJSP-Regional Sorocaba, o promotor Farto Neto esteve na redação no dia 28 de abril acompanhado alguns integrantes dos conselhos da FUA, entre eles Francisco Antônio Pinto (Chicão), Valdir Euclides Buffo Junior, César Augusto Ferraz dos Santos, Tiberany Ferraz dos Santos, diretores da Vila dos Velhinhos de Sorocaba e o presidente da FUNDEC, Luiz Antônio Zamuner. Também estavam presentes ao fatídico episódio o coronel Antônio Valdir Gonçalves Filho, comandante do Comando de Policiamento do Interior (CPI/7), e o atual secretário de Segurança e Defesa Civil da prefeitura de Sorocaba, José Augusto de Barros Pupin.

Segundo informações, o promotor Farto Neto, em sala fechada e na presença desse conjunto de autoridades, passou a agredir de forma destemperada os profissionais de imprensa, com direito a gritos, ofensas e ameaças. Dessa forma intimidatória, o promotor afirmou que o êxito da greve geral era responsabilidade da manchete do jornal Cruzeiro do Sul da sexta-feira, 28, e que era preciso “limpar o desserviço feito” e criar uma “agenda positiva” e, para isso, era primordial engrandecer o trabalho da Polícia Militar e da Guarda Civil Municipal. Segundo relatos, a manchete publicada no dia 29 “Paralisação prejudica o trabalhador sorocabano” foi ditada por Farto Neto, e o comandante do CPI-7 e o secretário Pupin foram entrevistados na presença de pessoas do grupo acima mencionado, mais uma forma de intimidação aos jornalistas.

Portanto, conclui-se que o objetivo de tamanha agressão era impor uma linha editorial que contemplasse apenas um posicionamento, o do interesse das pessoas que estavam junto ao promotor, nas matérias relacionadas à greve geral, deixando de lado até então o compromisso do centenário jornal Cruzeiro do Sul com a cobertura ética, imparcial e objetiva, ouvindo todos os lados da história como a sociedade espera de um veículo de imprensa.

O SJSP-Regional Sorocaba constatou que nesse dia 28 de abril, o presidente do Conselho Administrativo da FUA e diretor-presidente do jornal, José Augusto Marinho Mauad (Gugo), e o editor-chefe, José Carlos Fineis, não estavam presentes no jornal. Gugo estava fora da cidade e Fineis em licença saúde.

Ainda segundo relatos, nunca ocorreu episódio de tamanha agressão e intimidação na redação do jornal Cruzeiro do Sul.

Diante dos fatos denunciados, o SJSP-Regional Sorocaba lamenta profundamente que um promotor de Justiça, um homem público e com papel de grande responsabilidade na sociedade, se preste ao papel de intimidar profissionais da imprensa.

O SJSP-Regional Sorocaba lamenta também que o coronel Antônio Valdir Gonçalves Filho, do CPI/7, e o secretário de Segurança e Defesa Civil, José Augusto de Barros Pupin, tenham sido coniventes com o assédio moral aos jornalistas.

O SJSP-Regional Sorocaba lamenta que membros da Fundação Ubaldino do Amaral, instituição que tanto se orgulha de promover assistência social em nosso município, tenham praticado e presenciado tamanho desrespeito à liberdade de imprensa.

O SJSP-Regional Sorocaba lamenta que a credibilidade do centenário jornal Cruzeiro do Sul seja prejudicada por essa irresponsável e criminosa atitude e cobra um posicionamento da direção, pois acredita que a sociedade sorocabana e da região tem o direito de saber se teremos um veículo chapa-branca ou se teremos um veículo comprometido com o bom fazer jornalístico, que apura os fatos com isenção política e apresenta os diversos pontos de vista sobre as ocorrências.

Por último, o SJSP-Regional Sorocaba parabeniza o corpo de profissionais de imprensa e o editor-chefe por terem se mantido ao lado do bom fazer jornalístico e do compromisso com a sociedade em veicular informações condizentes com a realidade, mesmo diante de grande assédio e pressão. Parabenizamos a coragem dos jornalistas que não compactuaram com a interferência política violenta e que desde o dia 29 de abril não assinam expediente e matérias no jornal Cruzeiro do Sul.

O SJSP-Regional Sorocaba reconhece também a posição ética e comprometida do diretor-presidente José Augusto Marinho Mauad (Gugo), que desde o dia 29 de abril assina o jornal como diretor-presidente licenciado.

O SJSP-Regional Sorocaba está acompanhando o desenrolar dos fatos dentro do jornal Cruzeiro do Sul e está tomando as medidas necessárias para preservar o emprego e a integridade dos profissionais de imprensa.

O SJSP-Regional Sorocaba espera que esse triste episódio possa ser elucidado, se colocada a disposição das autoridades acima mencionadas para esclarecimentos dos ocorridos e que a FUA tenha a compreensão de preservar os profissionais do jornal e se mantenha ao lado do bom fazer jornalístico.

É fato que a credibilidade do jornal Cruzeiro do Sul está nas mãos dos jornalistas que, sendo o elo mais fraco na relação empregador-empregado, tiveram a coragem de se posicionar contra um feroz ataque à liberdade de imprensa.

Por fim, a sociedade sorocabana está ciente da crise ética instalada no jornal e, conforme o andamento, todos saberão se o Cruzeiro do Sul será um jornal chapa-branca, a serviço de apenas um grupo político e social, ou um jornal a serviço da sociedade.

Diretoria da Regional Sorocaba do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP)

O que entendo de tudo isso?

Tenho sido perguntado o que entendo de todo este episódio. Há duas evidências: Primeiramente faltou habilidade ao diretor Farto Neto para conduzir essa questão que não era apenas dele, mas de todo um time de diretores como demonstra a nota do sindicato dos jornalistas. Segundo, sobrou capacidade para os jornalistas criarem um fato. Eles, obviamente, sabiam que ao não colocar o nome na edição provocariam um estranhamento e esse estranhamento iria provocar a discussão que, de fato, já provocou.

A direção do jornal, que preserva e propaga valores pregados pela Maçonaria, tem o direito de valorizar em sua edição a maneira como enxerga a realidade. A revista Veja se tornou no Brasil o grande ícone do jornalismo impresso dessa escolha de um lado para valorizar em sua edição. E essa prerrogativa é da cultura do fazer o produto jornal.

Os jornalistas do jornal, que lutam por preservar valores de liberdade de expressão, tem o direito de valorizar o resultado de todo o fazer jornalístico e levar ao seu leitor o que captou em suas entrevistas, observações e apurações em geral.

Por isso, quando há divergência – como o caso em questão, a cobertura da greve – o diretor procura o editor-chefe e eles chegam a um acordo. Isso não significa falar mentira, mas reunir elementos que demonstrem um aspecto da realidade sobre outro. Obviamente que ao tomar a decisão desastrosa de agredir verbal e moralmente os jornalistas e editorializar uma manchete o diretor Farto Neto representava não apenas sua diretoria, mas a opinião de parcela dos leitores do jornal que entendiam que o noticiário estava “mentindo” ao enfatizar o lado pró-greve ou contra as reformas do governo federal. O diretor pode, e isso está em sua alçada, pedir e até exigir uma apuração dos fatos com detalhes que levem à visão de que sua percepção de mundo é a que deve prevalecer.

O importante é a clareza de que não existe “A Verdade”. Ver a greve pelo lado positivo ou negativo dela é, unicamente, captar o sentimento da sociedade em torno desse ato. A greve, para me ater ao ato em si da última sexta-feira, trouxe obviamente transtorno ao sorocabano sob muitos aspectos: não ter ônibus para se deslocar foi o principal deles, me parece, mas não ter agência de banco, não ter comércio em pleno funcionamento e ter provocado o sentimento de que se viveria uma selvageria nas ruas. Porém, a mesma greve, trouxe muitos benefícios aos sorocabanos: ela praticamente obriga cada um saber que no Brasil há em curso uma votação que terá interferência na vida de cada um após aprovadas e em vigor novas leis trabalhistas e de aposentadoria. Obriga cada um a se posicionar ou ao menos se interessar pelo tema.

Enfim, me parece sem sentido divergência sobre quem tem ou está com “A Verdade”, afinal ela não existe. O que existe, e isso é péssimo, é o que aprendi com Fabiana Caramez, presidente da regional dos Sindicato dos Jornalistas, brasileiros com muita convicção, ou seja, pessoas donas da verdade.

O lamentável episódio do Cruzeiro do Sul é apenas um reflexo do que vive hoje o Brasil, brasileiros convictos, agressivos e que não estão abertos ao diálogo. Que isso tenha um fim e o país possa voltar a viver em harmonia regulado pelas leis, não pela força. Que a diretoria do Cruzeiro do Sul (o lado mais forte desse embate) tenha a coração de passar por cima dessa divergência e não faça retaliação contra ninguém. Que este episódio, que coloca em dúvida os 115 anos do jornal Cruzeiro do Sul, seja superado com transparência, sabedoria e principalmente pelo respeito ao leitor. Se o jornal é um patrimônio de Sorocaba, o leitor é o grande patrimônio do jornal. Que toda e qualquer decisão leve ele em conta.

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