Há três anos eu acho, talvez quatro, mas seguramente antes da pandemia de Covid19 que obrigou o fechamento do comércio, eu estava no fim da fila de pagamento da Drogasil do shopping Iguatemi Esplanada. Pelo menos umas cinco pessoas estavam na minha frente.
Lá na frente da farmácia, uma moça começou a chamar em voz alta: Senhor… Senhor…Senhor. Ela era insistente. E todos na fila se viraram para trás, inclusive eu, para saber quem ela chamava.
Então, ela decidiu sair de onde estava e, para minha surpresa, parou ao meu lado. Neste momento, não apenas as pessoas da fila, mas todas que lotavam a farmácia estavam olhando para a mocinha e para mim. Então ela, com uma voz cantada, tentando ser simpática, me disse: Seeeenhhoooorrrr…. tem um caixa exclusivo para idosos.
Eu comecei a rir. Disse algo como: É? E ela respondeu: É. Eu disse, mas para qual idade é o caixa de idosos? E ela, enfática, disse: Venha. Eu poderia ter ido e encerrado o assunto. Mas eu tinha 50, 51 anos no máximo e não fui. Apenas disse obrigado.
A minha careca genética não ajuda muito, mas os pêlos brancos de minha barba e o peso (sou gordo) fazem com que eu pareça com mais idade do que tenho.
Há outros episódios onde alguém me viu como idoso. Todas foram situações que não me agrediram.
Porém, não é o mesmo que senti lendo os noticiários sobre o trágico assassinato ocorrido na fila de pessoas que esperavam chegar ao camarim de Fábio Jr. no Clube de Campo Sorocaba onde o cantor havia acabado de cantar. Ninguém escreveu ou falou: Um homem de 63 anos morreu depois de ter sido agredido… Todos afirmaram: Idoso agredido…
É ofensivo ver uma pessoa, cidadão, humano ser reduzido a idoso, palavra carregada com o estigma de seu sinônimo, ou seja, velho: O que está ultrapassado. O que é descartável, sem serventia.
Deveria passar a ser compromisso da sociedade, para acabar com esse estigma.
Do mesmo modo que se avançou muito na questão da homossexualidade, que se debate o racismo, já é o momento de educar as gerações mais novas e futuras a ver o idoso como alguém com experiência e capacidade de dar um olhar diferente sobre qualquer situação.
Os empregadores, deixando de descartar a mão-de-obra de quem tem mais de 50 anos, ajudariam muito a mudar essa mentalidade. A mídia, deixando de estigmatizar as pessoas a partir de termos como idoso, também colaborará nesta mudança de mentalidade.
Machado de Assis, que passou dos 70 anos em pleno século 19, tratou do tema ao cunhar a expressão ‘armário de vidro’, um elo com o armário envidraçado para se guardar as ‘relíquias’ do passado: “Mandou fazer um armário envidraçado, onde meteu as relíquias da vida, retratos velhos, mimos de governos e de particulares, um leque, uma luva, uma fita e outras memórias femininas, medalhas e medalhões, camafeus, pedaços de ruínas gregas e romanas, uma infinidade de cousas que não nomeio, para não encher papel” (Esaú e Jacó).
Estou certo que o homem de 63 anos, feliz ao ver Fábio Jr. cantar, ainda não tinha organizado seu armário de vidro. Hoje, vai se começar a pensar nisso aos 85. Até lá é possível viver com saúde e vitalidade frequentando o mundo, como um show de Fábio Jr.