As escolhas que fazemos 

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Recebi em 1988, depois de quatro cursando jornalismo, o diploma de bacharel e para minha surpresa fui um dos selecionados de minha turma para fazer o Curso Abril, acho que era sua sexta edição, em janeiro de 1989.

Almir Gajardoni foi o tutor do meu núcleo e no final de tarde de uma sexta-feira ele me chamou de canto e disse que queria me apresentar algumas pessoas.

Então, quando estávamos postados diante do dono da então poderosa Editora Abril, Victor Civita, Tomaz S. Corrêa, o executivo poderoso, e de José Roberto Guzzo, então o comandante da maior revista da América Latina, Gajardoni me apontou e lhes disse: aqui está um típico repórter de Veja. Sim, ele usou essa preposição. 

Saí dali abençoado. E não deu outra, na segunda-feira seguinte me ligaram (não existia celular ou redes sociais) pedindo que eu me apresentasse no dia 10 de fevereiro. Eu disse que não podia. A moça, surpresa, quis saber o motivo. Eu disse que iria me casar. Ahhh, ela respondeu, ok. Então estou mudando a data sua apresentação para o final de fevereiro. E eu respondi: não posso. Ela, brava e indignada: porque não dessa vez? Eu vou viajar. Ahhh, lua de mel! Eu expliquei: não. Vou morar fora do país. Um tempo depois, o telefone tocou novamente. Era a chefe do RH da Veja. Eu disse que não queria o emprego e ela disse que eu não sabia o que estava fazendo, pois todo mundo queria trabalhar na revista. Insistiu para eu pensar bem. Enfim, me casei, viajei em março, voltei em outubro, votei apenas no 2° turno e comecei em dezembro daquele ano no jornalismo no Cruzeiro do Sul, onde por dez anos, a cada ano, eu fui promovido de cargo até ser o editor-chefe por seis anos…

Me lembrei disso tudo ao receber de um amigo bolsonarista um texto de ontem de JR Guzzo. Ele fala das maravilhas de nossa economia. Num trecho ele escreveu assim: “(…) Há nove meses seguidos o país tem superávit fiscal, gastando menos no que arrecada – apesar de todas as despesas com o combate à Covid, verbas extras para a saúde dos estados, 500 milhões de doses de vacina e o auxílio emergencial em dinheiro para os cidadãos, hoje no valor de R$ 400 por mês e oficializado com o nome de Auxílio Brasil. A inflação de maio foi de 0,4% – cerca de metade do que previam todos os economistas, analistas de banco e os especialistas do mercado”.

E desfila uma série de elogios ao atual presidente e ministro. Uma defesa do paraíso no qual o Brasil está mergulhado. É tão bom nosso momento que o texto do Guzzo virou instrumento de convencimento político desse meu amigo.

Só há um probleminha, que tenho apontado aqui: os números desse país maravilhoso não batem com a realidade de quem vive de salário. A conta não está fechando.  Guzzo já era ficcionista na Veja quando eu engatinhava para a profissão. O que me faz crer que Gajardoni se enganou ao meu respeito. Certamente eu teria sido demitido da “escola Guzzo”. Eu escrevo sim ficção, mas nunca ninguém leu. O meu ofício de repórter, editor e, ultimamente, blogueiro é lidar com a verdade. Como já disse aqui, há sim quem está com a vida em prosperidade. Mas um momento bom, um governo bom, não pode ser apenas para alguns. Os mais necessitados não podem ser tratados pelo viés de planilhas e gráficos, mas com gasolina, gás de cozinha, alimentação, livros, cultura… dentro do seu orçamento. E isso não está acontecendo.

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