Até a morte pede desculpa!

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Estava com meu amigo Chico Jarbas, médico, advogado e ouvinte que me cobrava a volta ao vivo da coluna O Deda Questão no Jornal Ipanema (FM 91.1Mhz) quando chega pelo whattsapp a notícia da morte de Ricardo Eugênio Boechat. Ele estava no helicóptero que caiu sobre um caminhão (ou foi atropelado por um caminhão depois de um pouso forçado na rodovia Anhanguera, em Campinas), por volta das 13h50, e explodiu.

Ler essa notícia foi como um soco no estômago!

Os sorocabanos Nílson César (narrador da Jovem Pan) e Lucas Pedrozo (Jornal da Band Sorocaba) estiveram com Boechat no ano passado, por razões distintas, e postaram suas fotos com ele. Eu nunca estive fisicamente com Boechat, nem por acaso, mas estava na sua audiência quase que diariamente, por volta das 7h32, quando ele entrava no ar na Band News FM. Hoje foi assim. Lá ele catalisava as atenções: Rozéééé Simooonnn, Buenos dias presidente… para chamar o colunista José Simão e garantir 10 minutos de boas risadas; ou: vamos agora com nossa colunissssta Mônica Bérrrrgamoooo e ficávamos sabendo de algum bastidor que ninguém ainda havia colocado luz; ou: agora é a vez do Pitonisa (se referindo e tirando sarro de Milton Neves).

Boechat fez carreira e história no jornalismo impresso, com sua coluna em jornais do Rio de Janeiro onde dava notícias de bastidores hoje imortalizadas em Mônica Bérgamo na Folha de S. Paulo ou Lauro Jardim em O Globo. Fez carreira como âncora garantindo ao Jornal da Band a credibilidade que o telejornal carrega. Transformou o radiojornalismo ao dar voz e vez ao ouvinte que chegava até ele via o whattsapp. Era generoso e rígido ao mesmo tempo. Ele fez de cada ouvinte seu na Band News um  amigo e lhe confidenciava fatos pessoais ao falar de sua esposa, “a doce Verusca”; dos seis filhos; da sua mãe, dona Mercedez, uma argentina brava; da sua depressão (que ele não escondia e tratava como o mau terrível que é).

Sua morte chegou sem aviso prévio. Ele estava no auge de sua carreira e sucesso. Sua morte me deixou passado como deixa a morte de um membro da família onde, de algum modo, é uma parte sua que também morre.

A morte de Boechat se transformou em comoção nacional. E entre as várias possibilidades que tinha de escolher alguém para falar de sua morte, colhi a do escritor Fabrício Carpinejar: “(…) Como serão as nossas manhãs sem a eloquência de Boechat? Ele falava bonito cada notícia, como se estivesse recitando Fernando Pessoa, nunca perdendo a linha de raciocínio, sem cacoete verbal: límpido pensamento sonoro.

Tinha uma máquina de escrever entre os dentes. Soprava páginas e derrubava mitos e preconceitos.

Irônico, argumentativo, combativo, um dos últimos adeptos da retórica do jornalismo. Defendia exaustivamente as suas ideias e apenas se acalmava ao descascar as aparências do poder e descartar todos os pontos de vista. Ganhava a discussão pelo fôlego e pelas metáforas. (…) Gostava de uma boa briga. Envolvia-se em uma polêmica semana sim e outra também.

Era um duelista à moda antiga, com um lenço dobrado no terno e ferro na lábia, daqueles que ainda se dispunham a lutar para manter a honra e a palavra, custe o que custasse, em confrontos intensamente emocionais contra os desmandos do país.

Até os desafetos respeitavam a sua opinião. Até os adversários não deixavam de ouvir, ver, ler Boechat. Até a morte deve ter pedido desculpa”.

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