Brasil perde Carlos Heitor Cony e Sorocaba, os registros públicos de sua única visita à cidade

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EuConyO noticiário do Brasil rendeu homenagens e glórias ao escritor Carlos Heitor Cony no domingo passado quando foi anunciada a sua morte aos 91 anos de idade.

As pessoas públicas que conviveram mais próximo dele, como o colunista Xexéu do jornal O Globo – durante 15 anos ambos dividiram a bancada do jornal matinal da rádio CBN – foram as principais fontes. Muitos depoimentos em primeira pessoa das grandes estrelas do jornalismo e crônica do Rio e São Paulo se espalharam, via agência de notícias, para as pequenas publicações impressas e online do país.

Me assustei ao ver a imprensa sorocabana dando o mesmo tratamento a morte de Cony, simplesmente reproduzindo o material de uma agência.

Um desprezo que Cony não merecia. E que o sorocabano também não.

Um desprezo que apenas afunda o abismo que existe entre o que há de qualidade e referência na literatura brasileira e o público. A obra de Cony é das poucas (entre aquela produzida no final do século 20 para este início de 21) capazes de envolver um leitor pouco afeiçoado à leitura com um livro.

México, Argentina, Espanha pagam, e bem, para os escritores escreverem e seus cidadãos lerem. Fazem isso porque o domínio da língua e da cultura de um país é o maior patrimônio e símbolo de qualquer soberania. O brasileiro lê pouco. E quando lê, muito pouco é literatura nacional. Há uma curiosidade, justificável, aceito isso, de ler o que escrevem as pessoas que aparecem na TV. É preciso dar um passo além.

Cony esteve em Sorocaba antes da Internet se popularizar, ou seja, antes de tudo o que a imprensa produz estar automaticamente guardado nas nuvens do Google. Por isso me assustei ao dar uma googada e constatar que não existe nenhum mínimo registro da presença dele em Sorocaba. Fica-se com a sensação de que ele não esteve aqui. Mas esteve. Por poucas horas. Ainda bem que tenho essa foto, aqui publicada, para provar que sua presença não é unicamente uma corruptela da minha memória.

Fico pensando que ao menos uma centena de pessoas, assim como eu, foram testemunhas da presença dele no Teatro do Sesi. Ele veio dar uma palestra. Mas não sou capaz de dizer quem o trouxe (apenas que a Universidade de Sorocaba e Associação dos Engenheiros, Associação Sorocabana de Imprensa, pelo banner que a foto mostra) para falar e nem assegurar se foi em 1996 ou 1997 que ele esteve aqui. Sequer sou capaz de dizer sobre o que foi sua palestra.

Mas a grande mensagem daquela tarde (sim foi numa tarde que ele esteve em Sorocaba!) foi o prazer dele em falar para as pessoas que foram ouvi-lo. Me lembro da minha tietagem, curiosidade e vontade sem tamanho de me encontrar com o Autor, com a maiúsculo mesmo. Mas é como tentar abraçar uma nuvem. A pessoa não é o autor ou a obra. A obra tem vida própria e qualquer curiosidade que o leitor tiver em saber mais, indo atrás do autor, certamente será frustrada. Vivi essa mesma sensação depois desse encontro com Cony em encontro similar com Umberto Eco e anteriormente já havia vivido com Caetano Veloso, autores que me são caros. No ano passado, não por tietagem mas pela circunstância de um curso, vivi essa sensação novamente em encontros com Joca Reinners Terron, escritor brasileiro que aos poucos vai se tornando conhecido do grande público, já tem ao menos 3 grandes romances publicados, sendo que o último deles (que recomendo), Noite Adentro, considerado um dos principais lançamento de 2017.

Cony esteve em Sorocaba em decorrência do livro “Quase-memória”, lançado originalmente em 1995 e que marcou a sua volta à ficção depois de mais de vinte anos afastado da literatura. A obra explora o território entre a ficção e a memória a partir das reminiscências de Cony com o seu pai, morto. Ao lembrar do pai, Cony se projeta  minuciosamente em que é ele enquanto filho. Sentimentos contraditórios de cumplicidade se materializam diante do leitor.

A memória é testemunha da história A quase-memória, não. É uma chave para a gente entender um pouco mais de nós mesmos.

O pai de Cony, o pai que ele lembra e que muito provavelmente não é aquele que de fato foi, tinha um compromisso com a felicidade e dormia, toda noite com a certeza: “amanhã farei grandes coisas”. Essa é a grande fala do pai que aparece no livro.

Não tenho a menor lembrança se foi sobre isso tudo a palestra de Cony na única vez em que ele esteve em Sorocaba. Mas bem que poderia ter sido, afinal ele veio para promover o seu livro, veio experimentar a alegria de “abraçar” o seu público depois de vinte anos sem publicar literatura.

Quando morre um autor como Cony, fica uma lacuna.

Quando há uma lacuna há a chance de algum novo autor vir ocupar esse espaço.

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