Na postagem “descompasso no ritmo” publicada ontem, elenquei uma série de perguntas feitas pelo jornalista José Carlos Fineis ao vereador Manga sobre ele ser contrário ao uso de verba pública no Carnaval e que ficaram sem respostas.
Manga me ligou para dar as respostas, mas já havia um combinado meu com Fineis de que as respostas seriam para ele, da página Sorocaba Plural – Jornalismo Cidadão. E assim foi feito.
Abaixo está a íntegra da conversa, onde fica claro o reposicionamento do vereador em relação ao assunto, especialmente diante da reação da Uses (União Sorocabana das Escolas de Samba), em particular de Édson César Leite, conhecido como Édson Negracha, presidente da entidade.
Fica claro ao longo da conversa, ao menos essa é minha percepção, a movimentação do vereador no tabuleiro da sucessão. Manga, que pretende ser candidato a prefeito, segue atacando o prefeito, que pretende ser candidato à reeleição. No meio desse balaio fica a cultura, a cidade e o cidadão.
A íntegra da entrevista
Por José Carlos Fineis
Sorocaba Plural, 13/2/2019 – Em entrevista exclusiva a Sorocaba Plural – Jornalismo Cidadão, o vereador Rodrigo Manga (DEM) criticou a gestão do prefeito José Crespo (mesmo partido) por não ter procurado uma parceria público-privada que viabilizasse a realização do Carnaval de rua de Sorocaba, dispensando assim o aporte de dinheiro público. Manga concordou, porém, que sua proposta de repassar o dinheiro do Carnaval de rua deste ano para setores que define como mais prioritários, como a saúde e segurança pública, chegou em cima da hora e que “agora já foi”. “Pro próximo ano que seja planejado, então”, conformou-se.
A proposta de Manga foi formalizada por meio do ofício 097/2019 e causou problemas para o vereador na sessão desta terça-feira (12), quando um grupo de carnavalescos questionou seu posicionamento. O gasto com Carnaval de rua em Sorocaba tem sido questionado com frequência e durante oito anos, na gestão de Renato Amary, os desfiles foram suspensos. Sorocaba Plural aproveitou esse gancho para indagar ao vereador, que é missionário da Igreja Mundial do Poder de Deus, se o Carnaval não estaria sendo vítima de preconceito, por tratar-se de uma manifestação popular e pagã, uma vez que o financiamento público a outras atividades culturais não é questionado pelos vereadores.
Manga declarou que não tem nada contra o Carnaval e que reconhece a festa popular como parte da cultura brasileira, algo que “tem que acontecer”. Sua queixa é que o poder público poderia terceirizar o evento para empresas que o custeariam com venda de publicidade, por exemplo. Para ele, tudo o que puder deixar de representar uma despesa para a Prefeitura deve ser terceirizado. Instado por Sorocaba Plural, Manga reconheceu, por outro lado, que as escolas de samba são agregadoras e exercem um papel positivo nas comunidades, na medida que envolvem crianças e adolescentes com atividades artísticas e sadias.
A entrevista foi feita por meio de perguntas enviadas pelo WhatsApp e por telefone, no começo da noite desta terça-feira. Leia a íntegra da entrevista por telefone.
JOSÉ CARLOS FINEIS – O que levou o sr. a fazer essa sugestão (de destinar a verba do Carnaval de rua de 2019 à Saúde)? Foi apenas uma questão orçamentária, como o sr. afirmou, ou existe também um resquício de preconceito por ser uma festa pagã e popular?
RODRIGO MANGA – Não, em hipótese nenhuma. Eu não tenho essa questão religiosa. Apesar de pertencer a uma igreja, ter uma fé, eu diferencio o religioso, que é aquele sistemático, daquele que tem uma fé, uma crença. Eu não tenho nada contra o Carnaval. Acho apenas que Sorocaba poderia imitar Maringá, imitar Diamantina, cidades que fizeram o Carnaval com parceria público-privada. Lá, o Carnaval foi terceirizado, houve uma exploração de publicidade por empresas que ganharam essa terceirização, que conseguiram arcar com os custos da estrutura do Carnaval e até ajudar as escolas. O prefeito Crespo mandou aqui para a Câmara dois projetos de leis que aumentam impostos. Um da coleta de lixo, que a gente arquivou hoje (12/1), e outro da taxa de iluminação. Isso vai na contramão. Diz que precisa aumentar a arrecadação, que não tem dinheiro pra nada, e aí gasta quando poderia ter feito uma gestão inteligente. Não tenho nada contra os carnavalescos nem contra o Carnaval. A minha crítica foi à gestão do prefeito Crespo. Faltou inteligência para ele saber conduzir, num momento de crise em que a gente tem que se reinventar, achar uma oportunidade pra poder fazer o Carnaval. Eu até vi numa das perguntas que você enviou a questão das apostilas do Sesi. Como que pode? Tudo bem: é importante a apostila do Sesi? O sistema educacional é um sistema ótimo, mas a educação na cidade de Sorocaba é uma educação de qualidade, os professores são profissionais de qualidade. É um investimento desnecessário, no momento em que nos encontramos. A criação da empresa Investe Sorocaba, que vai custar 3 milhões de reais em dois anos pro poder público e que só criará cargos. Tudo isso vai na contramão do discurso de falta de dinheiro, de que precisa aumentar a arrecadação. Minha crítica vai pra ele (prefeito).
JCF – Mas deixa eu fazer um questionamento. As escolas de samba trabalham praticamente o ano todo em função desse momento, desse desfile. Existe já um acordo tácito de um patrocínio oficial. Até porque é um espetáculo público. Se você considerar que o carnavalesco faz uma fantasia e vai para a avenida para oferecer um espetáculo para a população – e milhares de pessoas vão assistir –, não parece tão absurdo pagar por isso, porque ele está oferecendo algo dele. É o trabalho dele, a dedicação dele, a criatividade dele, para oferecer algo que pode se tornar uma atração turística, uma atividade que pode inclusive gerar renda para hotéis, para vendedores ambulantes, para taxistas. Então o que eu considero é assim: não era para ter sido colocada essa proposta (de não destinar verba pública para o Carnaval de rua) lá no começo do ano passado? Antes de o pessoal se preparar, antes de preparar o desfile? Porque esse pessoal trabalhou o ano todo nisso, né? Para agora chegar e falar assim: não vai ter verba, não vai ter Carnaval.
Manga – Sem dúvida. Eu acho até que poderia ter sido feito de forma muito mais planejada com eles. O meu questionamento aconteceu quando o prefeito abriu o edital de chamamento, e ele praticamente triplica a estrutura que foi dada no ano passado, que custou gastou R$ 397 mil. Agora, depois, eles reduziram para R$ 400 mil. Pra mim, ia sair até mais caro, ia sair mais de R$ 500 mil, mas agora (eu não vi ainda) está no chamamento R$ 400 mil para essa estrutura. Então, por isso que o meu questionamento foi feito após a publicação desse edital. Mas se fosse para fazer de forma inteligente, pensando em economia… Tanto se fala de falta de dinheiro, de falta de recursos, de priorizar, poderia ter sido feito de outra maneira. Mas do jeito que se colocou – e isso eu até falei aos carnavalescos, que minha intenção não era ofendê-los de forma nenhuma, mas sim questionar a gestão do prefeito com relação aos recursos da cidade –, foi de ter sido feita essa publicação agora, dia 8 de fevereiro, de R$ 400 mil, e eu me manifestei depois que vi na imprensa. Mas agora já foi. Pro próximo ano que seja planejado, então. Não justifica. A gente vê no dia a dia da política aqui que o discurso não justifica com a prática. O discurso é de que falta dinheiro, mas na prática a ação do governo é outra.
JCF – Eu queria questionar com você também, assim, por exemplo: eu citei a Fundec (em questionamento por WhatsApp) porque acredito ser a entidade cultural que recebe mais dinheiro público, e isso jamais é questionado. Nada contra a Fundec, acho que faz um trabalho magnífico. Mas a discussão sobre o Carnaval remete a uma discussão mais ampla sobre o que é ou não prioridade. Por exemplo: a cidade manter um zoológico. Nós precisamos ter um zoológico? Por esse raciocínio de que a saúde é mais importante e deve ser priorizada, o que é mais importante: tratar o câncer de uma pessoa que tem chance de ser curada ou alimentar um leão que podia estar lá na África? São questionamentos que a gente faz. Por exemplo, nós precisamos ter um quinto pavimento do Palácio dos Tropeiros ajardinado, um mirante que custou R$ 127 mil? Sobre o Carnaval, particularmente, vê-se muito o gasto de dinheiro público, como se fosse torrar R$ 300 mil em três dias. Mas tem um trabalho todo que é feito nas comunidades – e você que trabalha com essa questão de droga conhece isso muito bem. E o menino que está ali compondo um samba-enredo, ensaiando numa bateria, não está fazendo coisa pior. Então, sempre que falam assim: ah, é dinheiro jogado fora em esporte, em cultura, em não sei o quê, eu questiono: poxa, não se investe em atividades para as crianças e depois vão gastar na porta de saída…
Manga – Na outra ponta.
JCF – … quando o cara está viciado. Porque o cara que descobre a música com sete anos de idade, o cara que descobre um violino, um pandeiro, ou uma bola de futebol, uma bola de handebol, o teatro, esse cara está muito mais vacinado contra o apelo da droga, da ociosidade. Ele tem um porquê na vida dele, ele vai treinar, vai ensaiar com o grupo. Então, eu questiono essa coisa de se falar assim: tem que ser tudo para a saúde. Se não a gente fica com as secretarias da Saúde, da Educação e da Segurança Pública só, né?
Manga – Não… Você pega o trabalho da Fundec, por exemplo. Tem os alunos que participam, fazem os cursos, estão ali, o tempo todo envolvidos. É um trabalho importante inclusive de prevenção. Ao dar a uma criança ou a um jovem a música ou o esporte, você está prevenindo, como você falou, para não ter que gastar na outra ponta depois. Eu sou totalmente a favor disso.
JCF – Exatamente. É um custo social e de saúde, o desperdício da pessoa, o desperdício da alma, do potencial humano, que é um custo que não tem nem como calcular, né? Quanto vale um ser humano? Então deixa-se de dar essa motivação no começo da vida e depois se espera que a pessoa seja certinha, trabalhadora, produtiva. Mas a pessoa precisa de um direcionamento desde cedo.
Manga – Depois se gasta com o sistema penitenciário, com hospital… É igual ao trabalho que eu faço de prevenção de drogas. É um trabalho que, por mais que eu me esforce, o resultado não é grande, porque o melhor trabalho teria sido não deixar as pessoas entrarem na droga.
JCF – Eu queria que você dissesse pra mim como você considera o Carnaval de rua no Brasil.
Manga – Eu acho que o Carnaval faz parte da cultura brasileira, acho que tem que acontecer. Existem as pessoas que fazem do Carnaval um momento de diversão. Tem aquelas pessoas que fazem do Carnaval a vida, uma paixão, que vivenciam o Carnaval. Eu entendo que o poder público tem que atuar no sentido de ajudar na estruturação com parceria público-privada. Inclusive eu estou vendo uma matéria do Cruzeiro do Sul de 2013, vou te mandar, e o meu posicionamento foi o mesmo, contrário a se utilizar a verba pública. Naquela época votou-se a questão de recursos destinados para as escolas, e agora as escolas não estão recebendo nada, é só o gasto com a infraestrutura. Então, eu sou a favor de que tenha (o Carnaval), e o poder público poderia ajudar fazendo uma parceria público-privada como nessas cidades que eu citei, Maringá, Diamantina. Inclusive as escolas receberam um valor por conta disso e o desfile não onerou o poder público.
JCF – Muitas coisas que o poder público patrocina poderiam ser viabilizadas pela iniciativa privada. O poder público poderia patrocinar aqueles eventos que interessam menos à iniciativa privada. Porque as grandes empresas, para patrocinar um evento, querem saber assim: quantas mil pessoas vão estar nesse evento? Se for mais de dez mil, nós topamos. Tem as que patrocinam eventos mais restritos, por uma questão de imagem, mas em geral pensa-se muito em quantas mil pessoas o evento vai reunir.
Manga – Isso, e o Carnaval tem essa característica de atrair multidões.
JCF – Agora, só para completar. E este ano, como fica o Carnaval?
Manga – Este ano, o prefeito já determinou, já abriu licitação. Não acredito que ele vá voltar atrás nisso aí. Acho que ele conduziu de uma maneira errada.
JCF – Então, deve-se supor que você vá apresentar alguma proposta no sentido de que o Carnaval seja terceirizado a partir do próximo ano.
Manga – Sim, eu já fiz um ofício à Secretaria de Cultura para que a gente possa planejar isso nos próximos eventos. A Prefeitura pode terceirizar, fazer com que uma determinada empresa ou associação assuma o Carnaval. Essa associação vai explorar toda a divulgação e esse recurso será voltado para a própria estrutura e as escolas de samba. Esse raciocínio vale para tudo o que possa ser terceirizado. Esse exemplo que você deu do zoológico. Acho que está mais do que na hora de fazer um trabalho de alguma empresa fazer a gestão do zoológico Tem coisas que não cabem ao poder público.