Compreendendo esse momento

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Acompanhei a sessão da Câmara de Vereadores na última terça-feira e uma cena protagonizada pelos vereadores Pastor Luís Santos (Pros) e Renan Santos (PC do B) me incomodou demasiadamente, porém não consegui identificar de imediato o motivo.

Agora, identificado este incômodo, lamento não ter feito uma fotografia da cena: o momento onde Renan Santos dirige-se ao pastor Luís Santos, que ocupa um lugar na Mesa Diretora, e ambos começam a conversar e rir amigavelmente.

Não haveria nada de estranho se não fossem antagônicos e minutos antes tivessem protagonizados uma das várias interrupções daquela sessão, quando os vereadores acataram o Veto Parcial nº 40/2018 ao Projeto de Lei nº 270/2018, do Executivo, a Lei nº 4.599/1994, que estabelece o Quadro e o Plano de Carreira do Quadro do Magistério Público Municipal. A emenda nº 1, de autoria do vereador Renan Santos, que inclui na rede as disciplinas de Artes e de Educação Física foi vetada pelo Prefeito – impasse solucionado com a questão indo ser discutida diretamente com a Secretaria de Educação, o que foi acatado por Renan afim de não prejudicar o projeto como um todo.

Porém, neste instante de votação e discussão, de maneira absolutamente intempestiva, o pastor Luís Santos disse que era favorável a parte da Educação Física, mas contra a parte das Artes porque ele não sabe o que vocês (dando a entender a esquerda) entendem como arte uma vez que para vocês (esquerda) a arte é homem nú com criancinha tocando em suas partes íntimas… – referência a polêmica instalação de um instituto cultural gaúcho em 2018.

Como estava fora do contexto, os vereadores colocaram a votação na ordem, tratando como inadequada a colocação do pastor para algo que seria desenvolvido dentro da sala de aula com a supervisão de diretores, pedagogos e professores. Renan ainda teve a sagacidade de perguntar a Luís Santos: pastor, o senhor acredita mesmo nessas coisas que fala ou faz só para causar?

Onde caiu minha ficha?

Minha percepção do que me incomodava com essa cena se deu quando tive acesso, ao acaso, à resenha do livro “Como Funciona o Fascismo: A Política do ‘Nós’ e ‘Eles’”, de Jason Stanley.

O fascismo, originalmente, é o regime de cunho ideológico estabelecido pelo ditador Benito Mussolini na Itália da década de 1920, que valoriza ideais de nação e raça em detrimento dos valores individuais e é representado por um líder autoritário. E o livro discute por que esse termo voltou à ordem do dia em pleno século 21. À luz de episódios recentes de democracias que enveredaram para regimes mais ou menos totalitários, Jason Stanley analisa a estrutura comum por trás de todas essas experiências e estabelece os dez principais fundamentos do fascismo: a ideia de reviver um passado mítico e glorioso; o uso de propaganda para distorcer e minar conceitos e instituições democráticas (tendo como pretexto o combate à corrupção); ataques a universidades e intelectuais; uma forte noção de hierarquia; a política da lei e da ordem baseada na ideia de grupos minoritários criminosos; e a valorização do “trabalho duro” em prejuízo de sistemas de bem-estar social.

Tais mecanismos, diz o autor, apoiam-se uns aos outros simbioticamente, criando e reforçando divisões, ao mesmo tempo em que minam os pilares da democracia – eleições livres, judiciário independente, liberdade de expressão e de imprensa etc. – que poderiam conter a ascensão totalitária. A história nos mostra o imenso perigo de subestimar o poder cumulativo dessas táticas, que deixam a sociedade cada vez mais vulnerável aos apelos da liderança autoritária.

Enfim, é isso o que me incomodou: ver Renan, que se indignou na votação com a colocação de Luís Santos, ser tolerante a ponto de rir com ele seja pela razão que for quando não havia divergência no debate.

Não prego que sejam inimigos, mas que criem limites onde, didaticamente, um conservador (como Luís Santos de fato é) não seja instrumento de fascistas ou usado para a propagação de ideias contrárias à democracia. E um comunista não sirva de pretexto para que liberais ou conservadores tentem impor as suas ideias.

É preciso inteligência e tolerância com a democracia e indignação com o fascismo.

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