Dona Olinda Bonturi Bolsonaro morreu aos 94 anos na madrugada da última sexta-feira no Hospital São João em Registro a cidade onde morava e seu filho, presidente do Brasil, recebeu as condolências de praxe num momento como esse. Um aspecto, neste fato, me chamou a atenção e foi relatado pela jornalista Juliana Steil, do Portal G1 de Notícias: Após enterro da mãe, Jair vai a lotérica apostar na Mega-Sena e retorna a Brasília.
Não pude deixar de associar a atitude de Jair com a do personagem principal do filme “Matou a Família e foi ao Cinema”, de 1969, de Júlio Bressane, que faz parte da lista dos 100 melhores filmes brasileiros.
Assisti a esse filme assim como outras dezenas de filmes do chamado Cinema Novo quando entrei na faculdade em 1985. Não que ver tais filmes fizesse parte do currículo da faculdade, mas fazia parte do novo círculo de amigos com os quais passei a conviver e haviam pelos menos dois CineClubes em Campinas, locais onde passava boa parte de meus dias. Nas bibliotecas, num atelier de xilogravura, nos bares eram outros lugares onde passei horas e horas vendo, apalpando, sentindo, ouvindo.
Me lembro de Jairo Ferreira, um dos ícones do cinema nacional, cujo o ápice da carreira se deu nos anos 80 pros 90, no bar Depois em Sorocaba contando o que tinha vivido no nascimento do movimento que marcou não apenas no Brasil, mas no cinema em todo o mundo. Me lembro de como era vívido aquele momento.
O Cinema Novo foi a forma encontrada no Brasil para o que a Colômbia e Argentina, em particular, encontraram na literatura para expressar esse sentimento que assola a nós, brasileiros de um modo muito específico, mas o latino de um modo em geral, que é a mistura de realidade e fantasia. No filme “Matou a Família e foi ao Cinema”, Bressane mostra o delírio de um cidadão comum, da classe média, que mistura a realidade (ter matado a família) com a fantasia (que está no filme que ele foi ver no cinema) justiceira dos assassinatos.
Não quero julgar o presidente a respeito do que ele deveria ter feito após enterrar a sua mãe. Quero me ater ao que ele fez: foi jogar na Mega-Sena. Foi tentar se dar bem. Ganhar na Mega é, seguramente, uma das fantasias mais sem nexo com a realidade que existe nos dias de hoje. A chance de acertar as 6 dezenas é de 1 em 50 milhões ou mais. Nem sei. E pouco importa saber o valor exato, apenas que é muito difícil.
A falta de noção expressa no filme “Matou a Família e foi ao Cinema” é a mesma praticada pelo presidente ao tentar se dar bem na Mega, uma vez que cabe a ele liderar a política econômica do Brasil, ou seja, o aumento de 30% no número de moradores de rua na cidade de São Paulo (que é verificável na mesma proporção em qualquer cidade brasileira), o aumento no número de placas Aluga-se ou Vende-se nos comércios de qualquer cidade, o preço da gasolina, do quilo da carne, do gás, da energia elétrica… é a realidade, fruto da fantasiosa política do presidente.
Temo que os que ainda acreditam em sua fantasia possam deixa-lo mais quatro anos no comando deste país.