O som de estridentes gargalhadas. De vozes agudas, desafinadas e roucas. Uma palavra pronunciada mais pausadamente, o que permitia a compreensão do que estava sendo dito. Mesas atulhadas de xícaras de café e garrafas pet de água. As marteladas vindas da parte de trás do balcão para tirar o pó da máquina de espresso. E nenhum livro. Apenas os das prateleiras. Senhoras transformaram o café da livraria em seu local de encontro. E seguem fazendo o que sempre fizeram: Falam. Pouco escutam. Ninguém lê. Não liam aos 10, 15, 20, 30, 40 e não leem aos 50, 60, 70, 80… As velhas se chamam de meninas. E gargalham como se tivessem fumado maconha. Mas nenhum cigarro pode ser aceso ali. Nem os eletrônicos.
As mortes do dia, que pipocam nas redes sociais, do Sílvio Luís, Antero Grecco e Apolinho (o jornalista do Rio que foi técnico do Flamengo na época de Romário e Edmundo, e teve esse apelido por causa do microfone do foguete Apollo), estão entre seus assuntos. Uma pergunta: É coincidência que três repórteres tenham morrido no mesmo dia? Uma outra frisa: três esportivos. Uma fala com um jeito professoral que não existem coincidências na morte e certamente isso aconteceu com um propósito. A mulher de bocarrona, dentes gigantes, interrompe o interlóquio pedindo licença para ir ao toilette (sic). Não sabia que esta palavra ainda estava em uso. O uso dessa palavra denuncia a sua idade, mais de 60 anos, do tempo em que a língua estrangeira no ensino fundamental era o francês e não o inglês como acontece desde meados da década de 1970.
Apesar de ser na livraria, e da balbúrdia, e de ninguém ter livros em mãos, ou na mesa dando a entender que alguém tenha se interessado por eles, não ouvi nada parecido com nomes como Alice ou muro, que seria uma corruptela de Munro. Ninguém falou da morte de Alice Munro. Aliás, com exceção de uma postagem da BBC e outras de duas amigas paulistanas, a morte da canadense, aos 92 anos, passou em branco na Linha do Tempo de meu Facebook. Alice Munro não é importante por ser prêmio Nobel de Literatura, mas pela sua capacidade de contar histórias. Contos longos que podem chegar a mais de 100 páginas. Sou seu fã pela temática, de família, de isolamento, de tristeza. Pela sua clareza narrativa. Por sua conexão de vozes e tempos na narração.
Quase ninguém falou das mortes de Rubens Jardim, Casimiro de Brito e Péricles Prade, todos poetas brasileiros contemporâneos com idades que passaram dos 80. Eu que não leio, e muito menos faço poesia, só soube da importância e grandeza de cada um por ler o que escrevem os que fazem a cena paulistana. Para Jardim, amigos fizeram do velório, um sarau. Eu li a respeito.
Penso se algum dia alguém vai contar uma história assim: Era uma vez uma cidade cheia de farmácias, cheia mesmo, provavelmente mais de mil, que tinha uma única livraria de rua. Livraria muito frequentada por pessoas que se reuniam para tomar café e comer macarons (aqueles doces que parecem suspiros, mas são feitos com farinha de amêndoas). Não para falar de literatura. Uma livraria com seção de livros kids (sic), capas coloridas, que as mães um tanto culpadas compravam para os pequenos. Que um deles, quando grande, um deles, um único, conte essa história.
PS – Hoje se completa dois meses do lançamento de meu romance, “O Filho do Açougueiro”. E não soube se alguém o leu desde então.