Escutem quem está na linha de frente das UBSs

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No fim da tarde da última quarta-feira (24/3), um paciente com quadro leve de covid-19 entra pelo quinto dia seguido em uma unidade básica de saúde (UBS) de Sorocaba, no interior paulista.

Desde que a prefeitura autorizou a prescrição do chamado “kit covid” na rede pública, ele sai diariamente de casa para requisitar as cartelas gratuitas de ivermectina e azitromicina.

Quem está do outro lado da mesa desta vez é a médica Maria Flávia Saraiva que, assim como os colegas nos dias anteriores, tentaria explicar ao paciente que não lhe recomendava a medicação porque não há comprovação científica de que as drogas sejam eficazes contra a doença. Além disso, os medicamentos podem provocar efeitos colaterais sérios.

“E disse que ele nem deveria estar saindo de casa, deveria estar isolado, que indo à UBS todo dia ele poderia estar passando a doença para outras pessoas”, afirma a médica.

O texto acima é reprodução da abertura da reportagem de Camilla Veras Mota “Precisamos de kit intubação e oxigênio” publicado pela revista Época (https://epoca.globo.com/sociedade/precisamos-de-kit-intubacao-oxigenio-apelo-de-medicos-em-cidade-que-liberou-kit-covid-1-24944372 ).

Outros veículos publicaram dezenas de reportagens sobre os problemas que o uso dos medicamentos do kit-covid está causando aos seus usuários na última semana. Mas nada disso é suficiente para conter os fanáticos do presidente que segue recomendando o uso dos medicamentos. O que por si só já seria uma loucura.

Aqui neste blog, fui malhado com gosto pelos simpatizantes do presidente, inclusive por Jorge Marum, promotor de justiça do Ministério Público de São Paulo em Sorocaba. Ativista do presidente, ele diz não conseguir entender porque eu, como outras milhares de pessoas, somos contra o kit-covid, já que ele “pode salvar vidas”, discursa Marum.

Não vou entrar nesta seara da Ciência desta vez.

Apenas nos fatos: e um muito importante é o que traz a reportagem com a a médica Maria Flávia Saraiva, plantonista de uma das UBS de Sorocaba. O texto da revista Época, aqui reproduzido acima, mostra que o Kit-Covid atrai pacientes doentes para um lugar de aglomeração.

Fica meu clamor: escutem quem está na linha de frente das UBSs.

Apelo ao secretário Vinícius Rodrigues, titular da Saúde, médico que já admitiu que não é comprovada a eficiência do kit, amigo do deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente e seu “remédio”, de quem é o primeiro suplente na Câmara federal: se politicamente ficou impossível não aderir ao uso do kit; se politicamente é difícil cancelar este discurso do kit-covid; ao menos deixe quantas UBS forem necessárias apenas para tratar com o kit-covid os pacientes que acreditam no tratamento. Isso vai isolar malucos (que outro nome dar?) de pacientes como o relatado na reportagem pela médica Maria Flávia Saraiva. Não é o ideal, mas penso que isso ajuda a evitar o nervosismo desnecessário ao médico que não adere ao kit e é ostensivamente xingado pelo paciente que quer usar tais remédios. Também ajudaria a não misturar pacientes.

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