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Hoje é a missa de 7° dia do meu tio Zé, enterrado no Cemitério Municipal de Cerquilho na última quinta-feira, morto aos 82 anos.

José Carlos Delazari, irmão de minha mãe, foi um cara de riso fácil, mas contido. Teve uma vida, recheada de mistérios, morando sozinho em seu micro apartamento nos Jardins, em São Paulo.

Quando ele nem havia completado 20 anos de idade, eu nem nascido era, no final dos anos 50, ele morou na casa dos meus pais. E isso, certamente, afinou o relacionamento dele e minha mãe. 

O que eu mais gostava no meu tio Zé era seu poder de mudar o semblante de minha mãe. Bastava sua presença para uma luminosidade brotar na fase sempre corada dela. Imagino meu tio como as madeleines de Proust.

Meu tio foi morar na casa de meus pais porque veio trabalhar no banco Moreira Salles em Sorocaba. Depois de cinco anos, ele foi fazer o que gostava: desenhar. Meu tio Zé foi dos primeiros a trabalhar na editora Abril quando esta passou a publicar no Brasil as personagens de Mickey e companhia.

Gostei de ler e ouvir relatos de meus primos sobre meu tio. Um disse: Ele me deu uma caixinha de hidrocor quando isso era a maior novidade; ele trazia gibi (HQ) toda semana; e quando ele trouxe uns transfer…

Em casa, meus irmãos ganhavam gibis aos montes. Mas me lembro de minha mãe dizendo que ler muito não podia fazer bem. Ler gibi podia, mas não muito. Nunca entendi essa preocupação dela.

Meu tio deu um almanaque de capa dura para um de meus irmãos. Eu achava o máximo aquele livro. Ele ficava guardado na última gaveta do guarda-roupa. De vez em quando, quando ninguém estava por perto, eu adorava folhear aquele livro. Não sabia ainda ler, mas isso não me impedia de amar virar as páginas e ver as figuras coloridas. 

Um dos meus irmãos me contou que meu tio Zé tentou (sic) ensinar ele a desenhar o Tio Patinhas. Essa mesma história ouvi da filha de uma prima no seu velório. Outro irmão me falou que meu tio Zé era o cara mais teimoso que ele conheceu. Se ele cismasse que dava pra transformar água em gasolina não tinha quem fizesse ele mudar de ideia. 

Meu tio nunca me deu nada. Ele já não trabalhava mais com desenho quando eu fiquei “grande”. Havia sido transferido para a TV Abril. Mas ele foi uma das pessoas que mais me inspirou. Sua presença tinha esse poder sobre mim. Ao seu lado eu achava tudo possível. 

Me lembro dele ter dado carona para minha mãe e para mim de Cerquilho para Sorocaba. Ele dirigindo, minha mãe no banco da frente e eu sozinho atrás. Era um Fusca azul. Eles conversaram a viagem inteira e eu quieto me surpreendia com a paisagem com o rosto grudado na janela.

Meu tio, há uns vinte anos pelo menos, pode até ser trinta anos atrás, decidiu “purificar” seu organismo e, então, passou a comer apenas arroz integral que ele próprio cozinhava. Era sua única alimentação por décadas. Até água ele evitava. Ficou tão magro! Isso teve sérias consequências para sua saúde. Seus intestinos ressecaram a ponto de ficaram atrofiados. Ele passou por algumas cirurgias por cauda disso e vinha sofrendo muito. 

Ele foi solteiro por 80 anos, mas se casou e viveu numa casa de repouso em Porto Feliz com sua mulher onde recebeu todos os cuidados que desejava.

Ver meu irmão carregando o caixão do meu tio pelo cemitério para ficar no mesmo túmulo onde estão meus avós maternos me fez lembrar da viagem de Sorocaba a Cerquilho, onde meu irmão veio me contando seus momentos de infância e eu reconstruindo em minha memória uma vida que eu não tive. Meu avô morreu antes de eu nascer e minha avó quando eu tinha apenas 6 meses de vida.

Até o final, dentro do caixão, meu tio foi bom para mim ao dar a oportunidade ao meu irmão para me contar histórias que eu desconhecia senão completamente, com certeza em suas nuances.

Obrigado, tio!

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