Morador de rua é problema? Em caso afirmativo, de/para quem?

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A foto que ilustra essa postagem, feita nas primeiras horas da madrugada, na última quarta-feira, na região da rodoviária, é uma realidade de qualquer dia da semana em Sorocaba. São dezenas de moradores de rua, muitos em crise de abstinência por causa de alguma droga ou bebida, que se humilha por 5 centavos. Dá medo. São invasivos. São diferentes. Deixam claro que não tem nada a perder, pois já perderam tudo, inclusive a dignidade.

Ao ver essa cena todos os dias, me ocorrem algumas perguntas. A primeira delas é: ser morador de rua é um problema e em caso de resposta afirmativa, para quem?

O morador de rua se torna um problema da sociedade na medida em que – como enfatizou secretaria de Igualdade e Assistência Social, Cíntia de Almeida aos vereadores na Câmara Municipal – ele vive do dinheiro que alguém lhe dá.

A abordagem feita por esse morador provoca três reações de quem é abordado: Dó (alguém com um trocado entende que pode dar esse trocado a quem pede); Medo (alguém ao ser abordado para evitar qualquer nível de conflito dá o dinheiro) ou Desprezo (muitas vezes nem olha na cara de quem pede).

O morador de rua (a avenida Paulista, maior centro econômico da América Latina, virou uma local de concentração de pessoas nessa condição) é um fenômeno das cidades que não conseguem dar o mínimo de segurança social a quem foi defenestrado do sistema (moradia e emprego). E Sorocaba não está imune ao país.

Nesse sentido, o morador de rua é um problema do Estado que precisa, no mínimo, oferecer algum tipo de subsídio a ele (é o que diz a Constituição).

É um problema dele próprio, morador de rua, que – são raras as exceções – foi levado a essa situação, sem chance de decidir o contrário.

É um problema da polícia, uma vez que em meio a essa situação social se infiltram traficantes e até ladrões que se camuflam em meio a essa gente que só tem a rua.

Nesse sentido, quando a secretária Cíntia celebra uma diminuição no número de moradores de rua, está apenas criando motivo para que a sociedade olhe mais agudamente para o problema. Obviamente que a secretária sabe que está “enxugando gelo” e quando faz uma provocação como essa, de celebrar o imensurável, tira da zona do conforto os representantes da sociedade, nem que seja através de uma contestação feita pelo presidente da Câmara, chamando de fantasiosa a afirmação da secretária. É verdade, os números são fantasiosos, mas a realidade não é.

Mais que isso, a celebração da secretária desperta o olhar do sorocabano à realidade, ele se indigna com a fala da secretária, pois está atento à realidade de quem os moradores de rua estão em nossas ruas.

E é importante que o sorocabano não se acostume em ver seu semelhante vivendo na sarjeta. Se indignar significa que estamos imunes ao cinismo de que tudo vai bem.

Secretária na Câmara

A secretaria de Igualdade e Assistência Social, Cíntia de Almeida (MDB), compareceu à Câmara Municipal no começo do mês, durante a sessão ordinária, para falar da situação dos moradores de rua no município.

Sua presença na casa, onde é vereadora e está licenciada para ocupar o cargo no Executivo, surgiu em resposta aos questionamentos do presidente da Casa, vereador Rodrigo Manga, que diante da notícia veiculada oficialmente pela Prefeitura Municipal, de que o número de moradores de rua havia sido reduzido no município, classificou essa informação de fantasiosa.

Cíntia de Almeida disse que, quando assumiu a pasta em 2017, não havia parâmetros sobre o número de moradores de rua no município, uma vez que o último dado a respeito da questão era de 2007, do Ministério do Desenvolvimento Social, que identificou, na época, 217 moradores de rua em Sorocaba. “Em 2017, dados de diversas fontes indicavam que havia em Sorocaba havia entre 1.200 e 2 mil moradores de rua. Hoje, temos dados mais concretos, oficiais, com o cadastro único”, afirmou a secretária, afirmando que grande parte dessas pessoas são oriundas de municípios vizinhos.

A secretária apresentou dados sobre os moradores de rua, levando em conta variáveis como idade, sexo, raça e escolaridade. O maior número está na faixa produtiva, entre 29 e 43 anos. O tempo nas ruas e os vínculos familiares também variam. A forma mais comum de sobrevivência é o pedido de dinheiro nas ruas, seguido pela coleta de material reciclável. A secretária também apresentou pesquisa sobre a percepção dos comerciantes acerca dos moradores de rua, mostrando que 48% disseram que o número dos moradores de rua diminuiu, enquanto 46% disseram que não.

Falta rede de apoio

O vereador Luís Santos disse que, em 2005, foi feito um levantamento que indicou 138 pessoas em situação de rua. Observou que, na época, havia uma rede que funcionava muito bem, com cerca de quatro ou cinco entidades que atendiam as diferentes necessidades dos moradores de rua. “Hoje já não se tem mais essa linha de trabalho e o resultado é que explodiu o número de moradores de rua”, afirmou o vereador.

Crise econômica

A vereadora Iara Bernardi (PT) afirmou não acreditar na redução dos moradores de rua, em face da grave crise econômica, e observou que muitos foram para os bairros e quis saber para onde são encaminhados os moradores em situação de rua. A secretária disse que realiza exames periódicos com a população de rua, entre eles o exame para detectar doenças sexualmente transmissíveis, mas em cada 100 moradores apenas dez aceitam fazer o exame.

Preconceito com morador de rua

A vereadora Fernanda Garcia (PSOL) disse que o preconceito com a população de rua é muito grande e questionou uma declaração feita pela secretária no passado afirmando que havia muitos foragidos da Justiça entre os moradores de rua. Também criticou a mudança do Centro Pop e defendeu que ele se localize em uma região centralizada. Cíntia de Almeida respondeu que não estigmatizou as pessoas que estão em situação de rua como foragidos da prisão, mas afirmou que algumas são, salientando que a Polícia Civil os distingue por meio de um aplicativo próprio para identificar foragidos de outros municípios que vêm para Sorocaba.

Números fantasiosos

O presidente Rodrigo Manga afirmou que a redução das pessoas em situação de rua anunciada pela Prefeitura é fantasiosa, já que a busca ativa realizada para as identificar não foi até as minicracolândias espalhadas pela cidade. “Esse número não é real, porque 90% dos moradores de rua são usuários de álcool e drogas e não foram incluídos na contagem”, argumentou.  “Vamos ajudar a fazer o trabalho necessário junto com a Comissão de Dependência Química, mas não podemos maquiar os dados. Temos o número de pessoas em situação de rua aumentando dia após dia”, concluiu.

Moradores conectados

Já o vereador Hudson Pessini (MDB) disse que há muitos anos participava de abordagens sociais e notou que no momento em que eram realizadas as ações a notícia rapidamente se espalhava, fazendo com que os moradores de rua se espalhassem para evitar serem encontrados. “É como formiga no mel. Estão todas em volta do mel, você espreme uma com o dedo e ela faz com que todas as outras saiam e se espalhem, mas dias depois eles voltam novamente”, disse Pessini, salientando que a melhora detectada pela Prefeitura pode ser apenas momentânea e que as ações precisam ser constantes para terem um resultado efetivo.

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