Morador de Sorocaba é condenado por discriminação racial na Internet

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A juíza federal Sylvia Marlene de Castro Figueiredo, da 3ª Vara Federal em Sorocaba/SP, condenou um morador da cidade pelo crime de discriminação racial praticado pela internet. De acordo com a denúncia, M. P. O. (a Justiça não divulgou o nome, apenas as iniciais dele) publicou, em duas ocasiões, comentários em matérias jornalísticas com conteúdo discriminatório/preconceituoso contra o povo nordestino brasileiro. A denúncia foi recebida em 30/7/2018.

As matérias, de acordo com a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), continham os seguintes comentários do réu:

25/10/2015: “Nordestino não precisa de carteira, não tem dinheiro pra nada, a não ser se for o dinheiro do bolsa família! Moeda! Aposto que era moeda de 5 centavo que sobro quando ele compro o passe de ônibus”.

 

26/02/2016: “Não senhor, vai estudar, tá pensando que aqui é Pernambuco é?!” e “Amaldiçoado seja o povo do Nordeste!!! Culpa de termos esta presidente é toda suas!”

De acordo com o MPF, a matéria jornalística de 2015, na qual o acusado teria publicado a manifestação de cunho discriminatório, noticiava que um estudante potiguar, em Natal/RN, teria sido eliminado do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio por portar uma moeda em sua carteira que foi identificada pelo detector de metais no momento em que foi ao banheiro. Em seguida, o acusado teria feito o comentário de cunho discriminatório.

A defesa do réu pediu a incompetência do Juízo, quanto aos fatos referentes à conduta realizada em 2015, pois foi direcionada a uma só pessoa, na esteira do posicionamento adotado pelo STJ que entende “ser de competência da Justiça Estadual processar e julgar a ofensa pela internet, ainda que o agente se utilize de palavras discriminatórias, desde que direcionada à pessoa determinada”.

Ficou comprovado, porém, que a mensagem externada pelo acusado possui conteúdo ofensivo a um grupo, pois referia-se aos nordestinos de forma genérica. Mais do que a eventual lesão ao direito do indivíduo, implica a discriminação ou preconceito a um determinado grupo de pessoas. Como bem observou o procurador da República, “observa-se que M. P. O. iniciou seu comentário com o termo ‘nordestino’ de forma genérica, e passa a fazer seu juízo aviltante em relação a essa população, não se restringindo a apontar de forma pejorativa atributos pessoais de L. A. A. N., sendo certo que um não conhecia o outro’”.

Quanto à manifestação do acusado ocorrida em 2016, a defesa alegou que “a liberdade de expressão é garantida pela Constituição Federal e que os comentários tecidos pelo acusado expressavam apenas a revolta e indignação com a situação política e econômica do país, não tendo por intenção disseminar o ódio em face da região nordeste”. De outro lado, a juíza lembrou em sua decisão, que “o conteúdo destas mensagens não está inserido nos limites da liberdade de manifestação de pensamento, assegurada como direito fundamental, desbordando do razoável – mesmo visto sob o prisma da tolerância […]. As condutas do acusado extrapolam o direito à liberdade de expressão”, completou Sylvia Marlene de Castro Figueiredo.

Some-se a isso o fato de que o réu, em outras ocasiões, conforme apurado nos autos, manifestou-se de forma discriminatória/preconceituosa em relação à população do nordeste, revelando seu desprezo pelas pessoas de determinada procedência regional.  “Verifica-se, assim, que M. P. O. ultrapassou o limite jurídico que norteia as pessoas em sua vida social, ultrapassando, também, os limites constitucionais e internacionais de sua liberdade de expressão. Ainda que o sistema normativo não possa tutelar o pensamento das pessoas, a manifestação do pensamento pode ser punida quando, pelo excesso, envolver preconceitos ou discriminações de origem, raça, sexo, cor e idade, dentre outros aspectos da personalidade, mormente pelo fato de que, atualmente, a rápida difusão dessas manifestações é proporcionada pela utilização de meios digitais (redes sociais)”, completou a juíza em sua decisão.

O réu foi condenado pelo crime de discriminação racial – artigo 20, caput e §2º, da Lei 7.716/1989, com redação dada pela Lei nº 9.459/1997. A juíza substituiu a pena privativa de liberdade de 2 anos e 4 meses de reclusão por duas penas restritivas de direitos, sendo uma de prestação pecuniária e outra de prestação de serviços à comunidade.

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