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Lastimo por ter perdido tanto lendo os jornais, o que, convenhamos é muito menos perda de tempo comparado a quem vê TV ou roda a tela das redes sociais. Esses, estou certo, perderam mais tempo ainda do que eu.

Eu era tão fissurado, este termo que é usado corriqueiramente para se referir ao viciado que vive em função de garantir que a sua droga não lhe falte em seu organismo, que lia dois, três, jornais por dia. Nunca cheguei ao exagero, como o fazia meu saudoso amigo Carlos Magno, de esperar a Folha de S.Paulo de domingo, com seus dezenas de cadernos e centenas de páginas, no sábado à tarde, e passar a madrugada se dedicando a cada artigo, opinião, reportagem…

Não há nada nas páginas dos jornais, nunca houve essa é a verdade, que realmente seja importante. Borges, Jorge Luis Borges, o grande escritor argentino foi o primeiro que li dando esse vaticínio.

Os jornais, a mídia de modo geral, publicam o que seu leitor quer ler. E, quando bem feito, o assunto já está na primeira linha senão no lead, o primeiro parágrafo.

Se este assunto (fazer o jornal impresso diário) te interessa, sugiro que leia o livro “Em Branco Não Sai”, de minha autoria, minha dissertação de mestrado. Lá explico como são definidos os temas que estão diariamente publicados. Mas, resumindo, lá está o que interessa ao leitor. 

Essa lógica persiste nas redes sociais, especialmente Facebook e Instagram. Tudo que está lá é o que o leitor (que virtualmente recebe o nome de seguidor) quer ver (sim, ver, pois ninguém quer ler, acho que alguns músculos cerebrais já se atrofiaram).

Quem não respeita o leitor perde audiência. Isso vale pro velho jornalão, pra TV e rádio e pra novas mídias. Nesse caso, respeito significa única e simplesmente submissão. Se não se submeter perde leitor, ouvinte, telespectador, seguidor…

Qualquer texto, um pouco longo, ofende o leitor. Qualquer tema que exija reflexão é ofensivo. Expor a idiotice do seguidor, então, é a “morte virtual”, o que recebe o nome de cancelamento.

O que nos resta?

Os livros. 

Mas não qualquer um. Apenas os romances. As poesias. Os contos. As crônicas. Mas não qualquer deles, apenas os feitos por escritores que são as pessoas que escrevem porque precisam escrever. Não os autores que escrevem o que o leitor já sabe e quer ler para confirmar. Não é o autor que requenta histórias, sagas ou sentimentos já contados, vividos ou sentidos.

Há tantos livros já escritos e sendo escritos que seriam necessários dez mil anos (alguém já perdeu tempo fazendo esse cálculo) para todas as páginas já escritas serem lidas. Há tratados sobre isso. Um deles merece atenção “Como Falar dos Livros Que Não Lemos” de autoria do filósofo francês Pierre Bayard. Que importa isso se nem mesmo aos 100 anos vamos chegar!

Então o que ler?

Primeiramente, se dedicar ao que é escrito para o leitor, ouvinte, telespectador, seguidor é perda de tempo. Dedique o mínimo a eles. Não dedique nada a eles. Em seguida, reserve uma hora por dia para a leitura de autores que escrevem porque não há outra opção na vida deles. Seja rígido nesse propósito. Descubra o prazer de prolongar em seus pensamentos o que estava nas páginas dos livros. Se não se sentir confortável para fazer isso sozinho, num primeiro momento, uma opção são os Clubes de Leitura onde um mediador conduz à descoberta do que está nas entrelinhas.

O problema num projeto de vida como esse é o risco de ficar ainda mais isolado, pois são cada vez mais raros os leitores. Há quem diga que  no Brasil já existam mais pessoas que escrevem do que leem. Não sei mensurar essa relação, mas sinto que é raro encontrar quem leia e nem tanto quem escreve. Comecei 2024 lendo um brasileiro. Em 23, li russo, colombiano, japonês, holandês, haitiano, estadunidense, italiano, marroquino, coreano, inglês… e, claro, brasileiros. Foi bom! Foi ótimo, melhor dizendo. 

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