Onde você estava quando ouviu JG pela primeira vez?

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A pergunta, que dá título a essa postagem, foi feita por Nelsinho Motta, no último sábado à tarde, num dos programas especiais que a GloboNews exibiu assim que foi anunciada a morte de João Gilberto, o criador da Bossa Nova, aos 88 anos de idade. Nelsinho usou uma expressão que achei muito feliz: todo mundo sabe onde estava quando houve o ataque às Torres Gêmeas em NY. É verdade, todos sabem.

Mas onde cada estava quando ouviu João Gilberto pela primeira vez?

Nelsinho contou que ouviu no rádio em São Paulo, quando ele tinha 14 anos, e estava passando férias na casa de um primo. E foi um choque. Natural e compreensível que tenha sido, Nelsinho tinha o impacto de ouvir algo novo, um divisor de águas, que é o que foi e é a Bossa Nova (vale a pena pesquisar e conhecer um pouco desse movimento). Eramos Anos 50!

No meu caso, não. Fui adolescente no começo dos anos 80, a Bossa Nova já era uma balzaquiana. Porém, mesmo assim, teve um impacto sobre mim. E foi num lugar inóspito, absolutamente improvável de se ouvir, e que fez, no absoluto acaso, eu ser testemunha ocular da história: ouvi João Gilberto pela primeira vez no Festival de Águas Claras, em Iacanga, perto de Bauru, em 1983.

No primeiro dia do festival, ou ao menos no dia em que consegui chegar lá, era dia 2 de junho. Cheguei à noite. Os palcos eram na parte baixa da entrada e havia uma fumaça cobrindo o local e na minha ingenuidade achei que fosse neblina, afinal fazia muito frio. Em pouco tempo descobri que era nuvem de fumaça. Me posicionei bem embaixo do palco. Estava inteiro molhado, vi e me encantei com Raul Seixas. Nessa noite, quando havia virado para o dia 3, o grupo Pau Brasil chamou ao palco algum aniversariante para receber de presente um disco LP. Não me fiz de rogado, subi e ganhei o regalo. Completava 16 anos naquele dia. Assim que desci, alguém puxou-o de minha mão…

Dois ou três dias depois, eu não aguentavamais tanta lama e sujeira e me arrisquei a tirar a roupa e lavá-la e tomar banho numa pequena cachoeira dentro da fazenda. Muitos fizeram o mesmo. Tempos depois vi foto desta cena numa reportagem da revista Veja. Na madrugada desse dia, ainda escuro, começou um show que terminaria apenas com o raiar do dia. Era um cara tocando violão em seu banquinho. Uma música estranha ao rock n’roll que atraia tantos jovens àquele local.

Sim, ali ouvi João Gilberto pela primeira vez. E aquele ritmo entrou em mim. Passou a ser minha estética. A Música Antiga (ou Barroca) entrou em minha alma. O Jazz e o Blues passaram a fazer parte de mim. A Orquestra Sinfônica passou a fazer sentido. João Gilberto abriu esse caminho, desbravou essa trilha que facilitou minha caminhada.

Me lembro, na redação do jornal Cruzeiro do Sul, imagino que no começo dos anos 90, um veterano jornalista, editor (eu um jovem aprendiz de repórter) desdenhar de João Gilberto. Dizendo que nunca um cara que cantasse “O Pato, quem-quém…” poderia ser chamado de gênio, que era só um excêntrico, que havia música muito melhor e cantor então nem se fala… Desfilou impropérios, apenas confirmador da sua ignorância que eu viria conhecer com os anos. Bati o pé que ele estava errado, mas não usei os argumentos certos naquele momento.O argumento central de quem foi João Gilberto e do que está eterno no que ele deixou à humanidade: um inovador. Sem querer ser pretensioso, há pessoas muito mais qualificadas para afirmar isso, mas JG está para a estética e música no século 20 como esteve Mozart, Beethoven, Wagner, Stravinsky para suas épocas.

João Gilberto morreu aos 88 anos, estava longe dos palcos e sanidade artística há pelo menos uma década, sua criação e obra já estavam eternizadas, mesmo assim fiquei chateado com a sua morte física. É como se tivesse morrido um amigo.

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