Paredes de vidro 

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Na casa onde moro há uma década são de vidro duas paredes que se juntam formando uma quina. De alto até embaixo. Uma fica na parede lateral da casa e outra no fundo. Não se trata de janela, pois elas não se movem e nem se abrem.

Essa parede foi a solução proposta pela arquiteta para o desejo de muita luminosidade para o ambiente. É uma sala com pé direito de quatro metros e meio.

Quando a casa ficou pronta, a luz do Sol se tornou a protagonista do ambiente como era desejado. Na primeira tempestade, achei que logo seria necessário rever aquelas paredes. Dez anos depois, estão inteiras e perfeitas. Nem mesmo o ciclone de 3 de novembro de 2023 lhe causou danos.

Essas paredes são molduras para a espetacular camada de cores na hora do crepúsculo, são como quadros vivos. Todos os dias essas paredes exibem a mesma serra na linha do horizonte, a que vai se encontrar com o Morro de Ipanema, mas exibe tonalidades diferentes.

Um beija-flor, certamente se vendo refletido no vidro, vira-e-mexe dá o ar de sua graça o que, cá entre nós, é algo bem bacana de se ver sentado no sofá da sala. 

O gato, que entra e sai de casa toda hora, gosta de contemplar o que está lá fora a partir dessas paredes.

Todos os dias essas paredes de vidro iludem moscas, mosquitos, pequenas borboletas e qualquer outro ser voador que apareça em casa. Os insetos não enxergam o vidro. Eles são capazes de passar horas seguidas batendo suas asas contra o vidro das paredes e só param quando despencam mortos de cansaço. 

Quando posso, me dedico a ver a “burrice” desses insetos. Eles não têm noção de tempo. Eles fazem seguidamente a mesma coisa, voar contra o vidro, mesmo isso não dando qualquer resultado naquilo que é a intenção deles, ou seja, alcançar o lado de fora da casa, a mata lá no horizonte. Nenhum inseto nessa década inteira tentou voar para o interior da sala, por exemplo, fugindo daquele lugar de onde eles são impedidos de ir a frente.

Não houve inovação. Não houve mudança de foco. Não houve nova perspectiva. Apenas o mesmo resultado. O cansaço, exaustão e a morte.

Essas paredes de vidro são metáforas da vida se assim se desejar entender. Sim, nessa metáfora nós, humanos, somos essas moscas, mosquitos…

Penso nas atitudes ideológicas, tão evidente nesta efeméride deste 8 de janeiro. Mas também nos relacionamentos que já não existem mais faz tempo e estão em pé pela insistência de atravessar a “parede de vidro”. Penso nos ambientes de trabalho nocivos mentalmente. Nas amizades tóxicas. 

Não é fácil ver a parede de vidro. É preciso, algumas ou muitas vezes, que alguém nos ajude a vê-las. Esse alguém pode até ser a gente mesmo se formos pessoas dedicadas à leitura, por exemplo. Se tivermos dinheiro para fazer uma terapia com profissionais sérios, não aqueles que pagam mensalmente por um diploma e se autointitulam psicanalistas depois disso. Se tivermos amigos. Esses, sem dúvida, uma dádiva nos dias de hoje.

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