Perdi o compadre

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Eu conheci José Antônio Carlos quando eu tinha 14 anos e tinha acabado de entrar no curso de Mecânica Geral no Senai. Pela primeira vez eu estudava em período integral: Das 7h às 11h. Das 13h às 17h. Eram oito horas, simulando o horário de trabalho numa metalúrgica.

Era um ambiente completamente novo para mim. A primeira atividade, no calor ou frio, era educação física e banho gelado, água caindo do cano, nem chuveiro havia.

José Antônio Carlos foi meu primeiro amigo feito ali. Eu vinha da Vila Santana, uma caminhada de 15 minutos. José Antônio vinha de Votorantim, uma caminhada de quase uma hora para vir e outra para voltar. Eu almoçava em casa, José Antônio levava marmita.

Nós tínhamos em comum o gosto pela leitura. Eu sabia que queria ser jornalista. Ele ainda não sabia o que ia fazer. Eu era bolsista da BSI, e ele da Faço.

Eu o chamava de boca. Era óbvio o motivo. Ele sabia guardar segredo. Duas semanas atrás alguém postou uma foto de nossos anos no Senai. Ele me perguntou algo a respeito. Eu confirmei, ele riu e escreveu: “Sou discreto, Bededa…” Era assim que ele me chamava. O único, aliás.

Em 1987, José Antônio descobriu o que seria na vida ao participar de uma performance do grupo “Olho da Rua”. Ele fez da atuação o seu modo de viver. Ali ele se tornou Zé Bocca.

Eu o entrevistei várias vezes. Eu o admirava. E a recíproca também. Eu lhe disse isso e ele me disse também. “Não vamos rasgar toda à seda…”

Eu sempre me orgulhei de suas atuações e projetos. Quando, em 2019, ele lançou o livro “O Bicho Maia Poderoso do Mundo”, para crianças, a sua dedicatória foi endereçada à Helena, então minha única neta. Quando ele lançou o projeto de WhatsApp “Contos Quarentênicos”, fui seu fiel apoiador. Quando virou chef com “Cozinha Por Acaso”, eu estive ao seu lado, tanto que ele serviu meus convidados quando lancei meu livro ” Minuto de Silêncio”. Eu era fã de seus molhos de tomate.

Zé Bocca me chamava de velho teimoso. Entre outros motivos por eu ser crítico de Abel Ferreira, o técnico do Palmeiras, de quem ele era grande admirador. 

Bocca era meu leitor. Me corrigia. Me criticava. Era um sarrista. Eu me divertia com seu humor. Nossa última conversa foi na véspera de sua morte. Logo cedo ele me provocou: “Bom dia, seu jornalista comunista! Rssss”. Ele se referia a minha última postagem. 

Eu acompanhei alguns problemas de saúde que ele teve, mas ele não me disse nada que não se sentia bem. O médico da UPA de Votorantim, onde ele foi achando que tinha um resfriado, identificou uma pneumonia. Ele teve três paradas cardíacas e não resistiu.

Bocca tinha planos de fazer algo com João e Bruno, seus filhos. Bocca cuidava de levar sua mãe às recorrentes consultas médicas. Bocca tinha orgulho de dizer “estou no pai”.  A morte precoce do Bocca, aos 56 anos, é uma perda para o movimento das artes e cultura de Votorantim, Sorocaba, região e o Brasil. Bocca era um dos expoentes contadores de histórias de todo o país. Para mim, em particular, é a perda do compadre. Os dias serão de mais silêncio. De mais vazio.

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