Por quê somos a geração onde (a)parecer vale mais do que ser

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O dia 15 de agosto de 1969 marca o primeiro dia do mítico Festival de Woodstock, do qual participaram artistas como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Neil Young, e é considerado o mais importante da história da música, além de ser a origem de uma profunda transformação na cultura e na sociedade da época.

Um documentário da TV pública norte-americana PBS marca essa celebração de meio século de ocorrência do Woodstock: Three Days That Defined a Generation (Woodstock: três dias que definiram uma geração).

Ao ler (https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/17/estilo/1566075016_376466.html) na manhã de hoje no portal do El País essa efeméride me surpreendi com o que define uma geração a partir do relato da história do casal Judy e Jerry Griffin que se conheceram naquele dia e hoje se orgulham de uma família com dois filhos e cinco netos.

A reportagem conta que Judy e dois colegas caminhavam ao lado da estrada após seu carro ter enguiçado. Ainda estavam a cerca de 150 quilômetros do local dos shows. Quando a jovem começou a reclamar do azar – justo no dia do seu aniversário – e da possibilidade real de nunca chegar a Woodstock, um estudante de Direito parou o veículo ao lado dela. Chamava-se Jerry e, perpetuando os estereótipos sobre a época, convidou-os a entrar no seu icônico Fusca. Judy hesitou porque nunca tinha pegado carona antes. Mas, ao ver que havia outra menina no carro, decidiu aceitar a oferta. E 50 anos depois seguem juntos.

Nunca, neste período, haviam visto um registro deles em Woodstock. Agora se viram no documentário da TV pública. Durante essas décadas de convivência, os Griffin lamentaram por não terem imortalizado o momento: “Nós dois tínhamos máquina, mas nenhum fez foto”, afirmou Jerry.

O que mudou?

O que me chamou a atenção na reportagem foi um aspecto:

  1. Nós dois tínhamos máquina, mas nenhum fez foto.

Essa afirmação deixa claro que Judy e Jerry se interessaram um pelo outro. O importante era o que eles sentiam e o que foi construído a partir daquela atração. O que um pensava do outro era apenas o que havia de sentido.

Nem Judy e nem Jerry estavam preocupados com o que os dois amigos que acompanhavam Judy achariam daquele início de relacionamento. O julgamento que os outros (amigos, família, colegas, sociedade…) faziam deles não importava a eles. Eles não se deprimiam com isso. A foto daquele momento era algo desnecessário, portanto.

Alguém consegue imaginar um jovem de hoje fazer qualquer coisa sem que a primeira coisa não seja uma selfie? Eu não consigo. O registro e sua exibição nas redes sociais se tornaram o mais importante. Não importa o que eu sinto pelo outro, mas importa o que parece do que aparecer na imagem que for publicada para o julgamento de quem me acompanha. O que deixa feliz hoje não é quem eu conheci, mas os likes de quem ver quem eu conheci. Não importa mais o que eu sou ou sinto, mas o que os outros pensam de mim.

Essa transformação ocorrida nos últimos 50 anos é a base responsável por todas as outras transformações que aconteceram na sociedade, sejam essas transformações da evolução tecnológica ou da involução emocional, mental e espiritual.

FOTO: Judy e Jerry Griffin voltam a dividir um cobertor 50 anos depois. As fotos são da TV pública PBS, da revista People e do repórter fotográfico Bem Trivett.

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