Precisamos falar sobre o Guilherme e o Henrique

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Eu não consigo deixar de pensar no livro (que virou filme) “Precisamos falar sobre o Kevin” ao me deparar com o massacre ocorrido dentro da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo.

Como eu disse na coluna O Deda Questão no Jornal da Ipanema (FM 91,1Mhz) na manhã de hoje: Precisamos falar sobre Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25 anos. Ex-alunos do colégio, eles são os autores do massacre que até o momento deixou dez mortos.

Kevin, do título do livro, é um adolescente que matou o pai, a irmã e alguns colegas em sua escola. A narrativa é conduzida do ponto de vista da mãe e tem como foco as perguntas: de quem é a responsabilidade pelo massacre praticado por Kevin? Afinal, dá para saber se esses jovens, simplesmente, nascem psicopatas ou as atitudes maternas desde a gestação poderiam influenciar em seu caráter?

Esse é o cerne do livro!

Guilherme, do massacre de Suzano, antes de sair de casa para se dirigir à escola e matar todos, inclusive a ele próprio, deixou ao lado de sua cama uma foto queimada onde é possível ver ele ao lado do pai e da mãe. Um pai completamente ausente e uma mãe que vive nas ruas em razão de uma forte dependência química. Criado pelos avós, Guilherme estava numa tristeza sem fim desde a morte da avó, há 3 meses, e convivia mais com o avô, de 80 anos, que na noite anterior ao crime esquentou a janta de Guilherme (arroz, feijão e hambúrguer). O avô disse aos repórteres sobre a ausência da mãe na vida do seu neto e ela, junto nessa entrevista, reagiu de uma maneira quase que sarcástica se dirigindo ao avô: quer dizer agora que eu sou a culpada por isso? Você é quem criou ele.

Para a mãe de Guilherme, ao contrário da mãe de Kevin que se julga responsável pelo que seu filho fez nos Estados Unidos, a culpa é de quem cria esses assassinos suicidas. É simples assim?

Agravantes

O bullyng (prática de atos violentos, intencionais e repetidos, contra uma pessoa indefesa, que podem causar danos físicos e psicológicos às vítimas) é uma realidade presente nos autores desses massacres.

Guilherme, que tinha muitas espinhas no rosto, era alvo de bullyng na Escola Estadual Professor Raul Brasil e deixou o estudo faltando apenas um ano para ser formar no Ensino Médio por não aguentar mais sofrer com as repetidas “piadinhas”. O avô chegou a pagar um tratamento e sua pele melhorou muito, mas evidentemente sua autoestima, raiva e vontade de vingança… não.

O bullyng é um ato cada vez mais comum (ou ao menos cada vez mais denunciado) no ambiente escolar e enfrentar essa realidade, sem dúvida, é um caminho para ajudar na construção de cidadãos responsáveis por uma sociedade da cultura da paz.

Ideologia da eliminação

Mas essa é uma luta inglória. Quem tem voz reafirma o contrário em cada oportunidade. Ontem, assim que o massacre estava consolidado e o mundo chocado, o senador paulista, Major Olímpio, que é ex-policial militar, esbravejou nos microfones dos repórteres dizendo que a lei do desarmamento é uma hipocrisia que apenas empoderou os bandidos, deixando as pessoas de bem, que por não poderem usar armas de fogo, fáceis alvo dos bandidos. Chegou a dizer que se o uso de arma fosse permitido, certamente algum professor estaria armado e evitado um mal maior na Escola Estadual Professor Raul Brasil de Suzano.

A força, numa sociedade democrática, deve estar nas mãos do Estado, ou seja, das polícias devidamente constituídas diante da lei. A força não deve ser delegada a qualquer pessoa, pois ao usar essa arma para matar alguém, mesmo que seja um bandido o morto, esse cidadão do bem, automaticamente, se transforma num matador. Que Estado é esse?

O presidente Jair Bolsonaro, e seus seguidores, que agem cegamente como seus discípulos messiânicos, demorou 7 horas para se solidarizar com os familiares do massacrados em Suzano – o governador João Dória, ao contrário, fez o óbvio e esteve presente no local do crime minutos depois. E quando o fez, o presidente foi apenas protocolar. Defensor das armas (diz, até, que dorme com uma na cabeceira de sua cama!), ele está longe de ser um líder capaz de ser mediador sobre o momento social, cultural e político pelo qual passa o país.

A cultura da paz, da conciliação, do diálogo é o que se deseja para o Brasil e aos brasileiros. Não faz sentido usar a violência e a força para a resolução de conflitos, divergências ou confrontos. Não faz sentido, o que se vê acentuadamente no Brasil, o desejo de resolver os problemas pela força. E é isso o que as pessoas que tem voz, cada vez mais, estão apregoando: eliminar o adversário.

Essa cultura, de eliminar o que me atrapalha está no mundo real (vejam os milicianos e Marielle); nas redes sociais (vejam os embates virtuais dos eleitores de Bolsonaro e petistas) e nos jogos virtuais, videogames, onde a essência é uma disputa de poder pela aniquilação do outro. Não são jogos de raciocínio estratégico para interagir com o outro, mas de violência para eliminá-lo. A culpa não é dos jogos de videogame, pois eles apenas reproduzem essa ideologia de aniquilação e eliminação, mas de uma sociedade que assim age. Os jogos, de modo subliminar, apenas sedimentam, sem contestar, que a vida em sociedade é justamente essa e não a outra, a de convivência entre os diferentes.

E, por isso, insisto: Precisamos falar sobre o Guilherme e o Henrique. Pois ao falarmos deles, estaremos falando da sociedade que queremos: a do diálogo, da conversa, do convencimento… Ou da eliminação, do aniquilamento, da vingança?

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