Preferia José Eugênio a Jô 

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Eu nunca fui entrevistado pelo Jô. Poderia ter sido em 1999 quando fiz a capa do Dia da Mentira no jornal Cruzeiro do Sul. A TV Bandeirantes fez uma ampla matéria sobre o tema e essa capa. Naquele ano, centenas de editores pelo mundo tiveram a mesma ideia de brincar com a data. Esse, certamente, era um tema do programa do Jô. Outra vez, em 2003, quando lancei o livro “Em Branco Não Sai”, também poderia, mas acho que a temática do livro fugia, muito, do estilo do programa.

Alguns amigos, para homenageá-lo, estão publicando desde o anúncio de sua morte na manhã desta sexta-feira, a foto de quando se  sentaram no sofá do Jô. Um, esteve três vezes no programa. No total, em quase trinta anos, foram mais de 20 mil entrevistas feitas por Jô Soares. 

Em 1990, talvez 89 ou talvez 91, eu fui na gravação do Jô Onze e Meia, no SBT, com a finalidade de entrevistá-lo. Eu não havia feito pedido prévio e tampouco disse que fui lá com essa intenção a nenhum membro de sua produção. 

Não consegui a entrevista, mas quase. Num intervalo de gravação eu me levantei da platéia e fui ao banheiro. Quando saí, me deparo com Jô saindo do banheiro das mulheres. Eu fiz menção de ir até ele e ele, com as mãos, me pediu para não dizer que ele foi em banheiro feminino. Eu, com gesto, indiquei que ele não fechou a braguilha. Ele riu, fechou o zíper da calça, deu uma última olhada em direção ao banheiro feminino, me olhou bem nos olhos, e sem me dizer uma palavra voltou à sua bancada para a sequência de gravação. Esperei um pouquinho, olhei para o banheiro feminino, de onde Jô saiu, nenhum movimento… então voltei a me sentar na plateia. Talvez ele tenha mesmo só errado a porta do banheiro e apenas feito xixi. Talvez! 

Nunca fui fã de suas entrevistas porque sempre, toda e qualquer conversa dele virava entretenimento. De alto nível, inteligente, mas arrancar gargalhadas era a sua meta. Sempre!

Quando eu estava no 2° ano da Faculdade de Jornalismo, Olinto, um amigo, me levou na Unicamp para uma palestra do navegador, empreendedor, construtor de barcos Amyr Klink destinada aos alunos da faculdade de Astronomia. Klink estava lançando seu livro “Cem Dias Entre o Céu e o Mar”, relatando sua solitária viagem da África ao Brasil no barco que ele havia construído para este fim. Me lembro do desconforto que causei ao perguntar a Klink como ele se virou sozinho, sexualmente, nos cem dias, enfim, se ele se masturbava. Klink foi entrevistado, semanas depois, no primeiro programa Jô Onze e Meia e Jô lhe fez, exatamente, a mesma colocação. E Klink lhe disse: Estava preparado para essa pergunta, me fizeram a mesma na Unicamp dias desses… Tive muito orgulho de mim, na época. Tipo, estou no caminho certo…

Como telespectador, preferia o humorista de Viva o Gordo! e os bordões “Cala a boca, Batista!” Daquele que na copa pedia pro Telê Santana: “Bota um ponta…” Daquele do “Mui, amigo!”

Como leitor, não gostava de sua crônica semanal em Veja e não gostei de seus livros. Ou melhor, não gostei de “O Xangô de Baker Street”, o único que li. Não que seja ruim, quem sou eu pra dizer isso! Talvez, penso hoje, livros como esse sejam importantes pra iniciar uma pessoa no universo literário.

Agora que ele morreu, penso que eu queria era ter conhecido o José Eugênio… Ouvi que às 5h da manhã, pouco antes de ir para casa e dormir, ele (Jô ou José Eugênio?) gostava de comer uma Bisteca no Sujinho da subida da rua Consolação. Esse é o meu lugar preferido para comer carne em São Paulo. Será, mesmo, que também era dele? Talvez essa informação esteja na sua biografia, Livro de Jô, escrita por Matinas Suzuki Jr., com quem convivi na fundação e primeiro ano do jornal Bom Dia. Mas também não li esse livro.

Eu gostei do José Eugênio que conheci quando ele foi entrevistado por Marília Gabriela. Um verdadeiro humanista. O mesmo José Eugênio que deu o perdão ao taxista que atropelou e matou a sua mãe. Pessoas assim estão cada vez mais em falta. 

É tocante o relato dos amigos ouvidos pela morte de Jô que tiveram a chance de conhecer o José Eugênio. Juca Kfouri contou: Flavinha, a última esposa do Jô, no velório relatou que bastante fraco e debilitado, Jô chegou ao hospital em julho e um médico lhe perguntou se alguma visita deveria ser impedida. Rápido, ágil, em seu melhor estilo, Jô lhe disse, acompanhado de um sarcástico sorriso: Bolsonaro!

Sua última piada, é a verdade que o Brasil precisa ouvir.

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