Numa sexta-feira como a de hoje, 1988 anos atrás, Jesus Cristo morria aos 33 anos depois de ter sido coroado (com uma coroa de espinhos), crucificado e sepultado para dois dias depois, o Domingo de Páscoa, ressuscitar. Cinco dias antes, Jesus entrava em Jerusalém e era aclamado pelas pessoas mais simples e humildes da comunidade com ramos de palma (daí o nome Domingo de Ramos) por ser o salvador. Jesus convenceu, primeiramente aos pobres de Jerusalém, de que é filho de Deus em carne e osso e veio para tirar os pecados de cada habitante do mundo, daí o início da contagem de um novo tempo. Jesus, nascido há 2021 anos, dá início a uma nova contagem dos anos na Humanidade (lembrando que para os Orientais, Judeus e outras culturas o ano atual é superior a 5 mil) o que prevalece até hoje. Justamente por isso, o feriado no dia de hoje em diversos países, como o Brasil, é um dia de reflexão, lembrando que a sua presença em Jerusalém, se dizendo o salvador, foi interpretada como ofensiva ao Império Romano que o levou à morte.
Como eu sou nascido numa cultura cristã (fui batizado e crismado na Igreja Santa Rita na Vila Santana), aprendi que hoje é o dia mais importante do ano, mais até do que o Natal, dia do nascimento de Jesus Cristo, pois é na Sexta-Feira Santa que surge à Humanidade o sentido da presença de Jesus na Terra. Acreditar nas razões de sua presença e seguir seus ensinamentos são valores que os pais, antes da sociedade cristã, ensinam aos seus filhos. Num mundo de tanta diversidade (cultural, econômica e tecnológica) faz sentido ainda essa história de um cara maltrapilho entrando numa cidade e dizendo que é O cara, o Filho de Deus? Num mundo de tanta igualdade (um vírus ataca e mata indistintamente pobres e ricos, letrados e ignorantes…) faz sentido o papo de Jesus de que ele é filho de Deus? Num país cujo o presidente (escolhido pela maioria dos eleitores) nega a Ciência e vê mais de 315 mil brasileiros morrerem porque ele se atrasou para adquirir vacina faz sentido ainda crer na história de um cara que diz ter nascido de uma virgem (mulher que nunca manteve relação sexual) e ter sido concebido pelo Espírito Santo?
Pensando se há sentido, nesta Sexta-Feira Santa, dia de reflexão, entendi que melhor do que qualquer resposta que eu possa elaborar para as três perguntas que eu fiz, é compartilhar o relato de uma pessoa que mora na cidade de São Paulo e se recuperou da Covid-19. Ele enviou seu texto para alguns amigos e um deles compartilhou num grupo do qual faço parte. A íntegra é essa:
No ar rarefeito
(…) Ele disse que publicar é passar o problema adiante. Vou virar essa página. Com esse texto, preservo também voz e respiração, que andaram escassos.
Os sintomas da Covid começaram sábado, 13/3. Isolado há um ano, achei que era gripe. Não tive febre, perda de olfato. Tive tosse seca. Mas continuei fazendo meus exercícios diários etc até domingo 21, quando bateu um cansaço horrível, o raciocínio embotou. Decidi fazer o exame na segunda (22) e deu positivo. Pânico. Médica me pede mais exames.
Fui na terça 23, de manhã, ao Fleury. Aí pifei. Tive um desmaio, fui prontamente atendido, a médica do Fleury não me deixou voltar para casa. Chamou minha mulher, uma ambulância e fui para o Einstein em seguida.
Na chegada, novo desmaio, mais assustador. Minha vista escureceu, desabei na cadeira de rodas na entrada do hospital. Atendido de novo, sempre muito bem, na chamada observação do hospital, já com oxigênio, melhorei um pouco de novo.
Pensar que muita gente ficou pelo caminho por falta de oxigênio é cruel. Mostra a sociedade que temos, um insuportável desprezo pela vida.
Hospital cheio, atendimento de primeira, medo de morrer em alta. Ao longo dia, avisei da internação a quem pude e fui pedindo para desmarcar tudo pela frente para desmontar a agenda de dez reuniões virtuais por dia.
Começaram os dias em busca de ar. A doença lhe tira o que você tem de vital. Vou deixar de lado as restrições, as sondas penduradas no corpo, a fisio, o isolamento, um épico suor noturno, ter de dormir de bruços para ajudar o pulmão (com o monte de sondas) etc.
A falta de ar é que pega. Fui dos sintomas leves direto para os piores. Cada virada de corpo na cama parecia uma maratona.
Minha agonia aumentou ao saber que eu tinha contaminado minha mulher e meu filho. Por sorte, ambos ficaram assintomáticos. Amém.
Bom, mas você vai melhorando, a medicina, a ciência, seus profissionais e seu esforço vão dando resultado. Na terça-feira 30, à noite, tirei o oxigênio, sai da semi-intensiva. Alívio. Sensibilidade no limite. Tenho vontade de chorar ao ver um copo de gelatina.
O que fica disso para mim é o amor pela Rosana, pelo Daniel, o carinho dos amigos, a luta pra ficar vivo, respirar.
E a arte do encontro, ainda que virtual. Quando eu estava me recobrando do segundo desmaio, me sentindo péssimo, medo de morrer, entrou uma mensagem no meu zap de um amigo querido. Sem saber de nada, claro, ele me pedia dicas de séries para assistir, algo que fazemos com alguma frequência. Aquela mensagem simples – como a vida, a amizade e o amor são – me encheu o coração. Parece exagero, mas me deu uma energia, uma gana de seguir no modo contínuo das amizades, da simplicidade da vida, da busca pelo essencial. Talvez um dia eu conte para ele, talvez não. Troquei outras mensagens, sobre música, com dois artistas amigos pra “respirar”. Eles vão saber agora que me deram algum oxigênio virtual.
Nosso poeta Vinicius escreveu, sobre a divina canção de Tom Jobim: “Fundamental é mesmo o amor. O resto é mar, e tudo que eu não sei contar. Vem de mansinho a brisa e me diz. É impossível ser feliz sozinho”. A benção, poeta.
Obrigado a todos que dedicaram um tempinho pela minha recuperação. Tive alta em 31/3, 14:00. Por Alcides Ferreira.
PS 1 – Outro relato de um recuperado, que sugiro que vejam, basta dar um Google para isso, é o de Orlando Morais, marido da atriz Glória Pires, deixando o hospital.
PS 2 – A foto que ilustra essa postagem foi feita nos jardins da Igreja Bom Jesus dos Lavradores em Portugal. Quem me enviou escreveu assim: Dispensa comentários. Como dizia a música de Gonzaguinha: “Eu fico com a pureza e a resposta das crianças…”