Ativismo “Urban fallism” chega a Sorocaba; não é vandalismo

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A estátua de Baltazar Fernandes – fundador de Sorocaba – amanheceu manchada de vermelho na manhã de sexta-feira passada e continuava assim, suja, ainda na manhã de hoje.

Localizada na frente do Mosteiro de São Bento, no coração da cidade, o ato foi interpretado como sendo vandalismo num primeiro momento, levando em conta manifestações de pessoas que cuidam da história e memória da cidade como o historiador Adolfo Frioli, o comendador Gilberto Tenor, por exemplo, que usaram suas redes sociais para expressar sua opinião sobre este fato.

Mas não é vandalismo. É ativismo.

Pelo que sei, este se trata do primeiro ato do movimento “Urban fallism” ou derrubacionismo urbano, em tradução literal, nascido há alguns anos decorrente dos protestos contra o monumento a Cecil John Rhodes na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, que culminaram na sua remoção há cinco anos. Rhodes Must Fall, ou Rhodes tem de cair, era a chamada dos estudantes contra a presença no campus da estátua em homenagem a esse magnata diretamente ligado ao colonialismo e ao racismo.

O ato em Sorocaba, de jogar tinta vermelha na estátua de Balthazar Fernandes tem o mesmo propósito ativista. A justificativa é para que Sorocaba pressione os parlamentares com relação com a cidade para votar contrário ao Projeto-de-Lei 490, que flexibiliza a proteção das terras indígenas.

Como bandeirante, o fundador de Sorocaba é o responsável direto pela morte e escravização de aldeias inteiras de índios e um bandido para a causa indigenista.

O movimento “Urban fallism” olhe com os olhos de hoje para ações do passado, como as de 1650 promovidas por Balthazar. É justo colocar o olhar de hoje sobre as ações de 350 anos atrás? Esta pergunta é o que vem promovendo polêmica e debate entre quem vê as consequências positivas do Bandeirante (tipo de brasileiro elevado a condição de herói no Estado de São Paulo), que colonizaram e civilizaram boa parte do Brasil, transformando o país no que é hoje; e aqueles que avaliam Balthazar (e o movimento Bandeirante como um todo) como ações de bárbaros, sem cultura e indignos de confiante ao serem os responsáveis pela exploração do interior do Brasil e pelo nosso tamanho continental, muito maior que o acordado no Tratado de Tordesilhas. Assim, enquanto comerciante de escravos e explorador, Baltazar, é acusado de ser um facínora por muitos historiadores.

Esse embate entre a História e a busca por um revisionismo dela não tem resposta aceitável ainda. Mas atos como este de Sorocaba, de manchar de vermelho o monumento a um explorador, visam chamar a atenção da população em geral para esta causa. Muita gente pensa apenas na história do ponto de vista do desenvolvimento e não no da dominação de um povo nativo.

Importante demarcar que não se trata de atos de vandalismo (sujar, destruir qualquer patrimônio), mas de táticas ativistas que não são as únicas, nem de um movimento isolado, mas de promoção de confrontos com a história oficial encarnada em monumentos que enunciam, entre dedos em riste, espadas, cavalos e homens brancos fardados, a presença das forças sociais que os ergueram.

O movimento “Fallista Urban” quer evidenciar a conexão de contestação dos monumentos, vistos como espécie de arquivo distribuído da narrativa histórica do establishment ereivindicar o direito à memória no espaço público dos que foram “derrotados”.

Em resumo, para os ativistas do movimento, “reconhecer e interrogar a memória da barbárie é crucial para confrontar a continuidade das suas práticas e das políticas de esquecimento. Especialmente num país como o Brasil, onde o abandono dos monumentos pelo Estado e pelas instituições é tamanho que se pode encontrar obras no lixo, como ocorreu recentemente em Fortaleza”, explica Giselle Beiguelman, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e autora de ‘Memória da Amnésia: políticas do esquecimento’ (Edições Sesc São Paulo).

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