Ainda na linha de expor a ideologia do prefeito, ou seja, a maneira como ele enxerga o mundo e, portanto, age, o momento em que a questão racial do negro surge na entrevista é igualmente revelador sobre quem é o prefeito

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CatiaMauri

O prefeito José Crespo (DEM) afirmou que o atual coordenador da Igualdade Racial de Sorocaba “sofre preconceito por ser caucasiano” e criticou quem “defende cotas raciais” (http://jornalipanema.com.br/noticias/sorocaba/279164/crespo-diz-que-coordenador-da-igualdade-racial-sofre-preconceito-por-ser-caucasiano).

O servidor público de carreira, Maurício José Barisson, assumiu o posto e é o primeiro a comandar o grupo ‘fora’ da comunidade negra. Crespo declarou estas frases durante entrevista ao “Deda Questão”, dentro do Jornal da Ipanema, da Rádio Ipanema 91,1 FM, nesta quinta-feira (2).

“Não entendo assim. Isso beira o preconceito contra os caucasianos, todas as raças são iguais. Aliás, até demos um nome novo, muito emblemático, a essa secretaria. Chama-se Secretaria da Igualdade e Assistência Social”, relatou. Segundo ele, foram aumentados todos os segmentos de trabalho, como juventude, idosos, diversidade sexual e raças. “É uma vergonha que alguém defenda cota racial. O importante é que o trabalho do Poder Público beneficie nesse caso das raças, todas elas. Que haja igualdade”, criticou.

“Obrigar que se coloque lá [na chefia da coordenadoria] um negro apenas por ser negro é preconceito com outras raças que não podemos aceitar. Isso é a diminuição da importância do negro. Isso é um pensamento retrógrado”, classificou. “Maurício Barisson foi uma escolha da secretária municipal [de Igualdade e Assistência Social] Cintia de Almeida, que eu prestigiei. Ele tem toda a capacidade para trabalhar em favor da Igualdade Racial protegendo e até favorecendo os negros nesse equilíbrio social que deve acontecer”, enfatizou.

“Lamento, mas repudio esse preconceito contra os caucasianos ou quem quer que seja. O importante é o resultado do trabalho também nessa igualdade racial em favor dos negros. Por favor, parem de firula, marola porque não passa de preconceito esse tipo de discurso”, completou. “Não precisamos necessariamente ter um coordenador que seja negro para favorecer a comunidade negra. Esse é um pensamento obtuso, preconceituoso que deve ser denunciado e repudiado”, finalizou.

A escolha causou revolta entre os membros do Conselho Municipal do Negro e do Movimento Hip Hop. A informação foi divulgada, com exclusividade, por mim, na coluna O Deda Questão, no Flash News da Rádio Ipanema (FM 91,1Mhz).

 

Em Sorocaba, a Coordenadoria de Igualdade Racial existe desde 2013 e teve como dirigentes Lucimara Rocha (no governo Vitor Lippi) e depois Maria de Lourdes Moraes (no governo Pannunzio). O comando dessa coordenadoria, agora, deixa de ser ocupada por uma pessoa negra (governo Crespo).

Os movimentos negro desejam entender a metodologia usada por Crespo para fazer a nomeação de um caucasiano de olhos azuis para o cargo, que, entre outros objetivos, busca sensibilizar a sociedade para o preconceito enfrentado pelo negro, em razão de circunstâncias históricas distorcidas.

De acordo com nota da Prefeitura de Sorocaba, “a função da Coordenadoria de Igualdade Racial exige amplitude e conhecimento das características de todas as etnias componentes do estrato social da nossa cidade, ressaltando a importância dos negros, dos índios, os orientais e demais residentes em Sorocaba. Nossa cidade, a exemplo do País, é fruto de grandes fluxos de migrações e miscigenação, e a coordenaria deve contemplar a realidade de todos esses povos em suas ações e políticas públicas. Há de realizar políticas especificas para a população negra, bem como para os índios – destaquemos aqui o trabalho desenvolvido pelo campus da Ufscar em nosso município com esse segmento- e os demais. Nesse sentido, Maurício Barisson é uma escolha acertada. Trata-se de profissional com formação, engajamento e compromisso com o cargo que passa a ocupar”.

Reação à entrevista

O momento mais enfático da entrevista de hoje com Crespo foi quando entrei neste tema. Fico feliz ao saber que me sai bem. Logo após recebi Parabéns de integrantes da comunidade negra e elogios do tipo “você emparedou o prefeito que chegou até a recuar em sua convicção e disse que reavaliaria a escolha se estiver errado”. Outro gostou quando perguntei se não tem nenhum negro capacitado para o cargo de secretário? Há quem tenha gostado quando disse que apenas Mazé Lima foi secretária negra no governo Lippi e que no secretariado de Crespo não tem como não tinha no Pannunzio. Outro citou como importante ter lembrado o processo histórico que mostra a opressão sofrida pelos negros. Mas o maior elogio, sem dúvida, foi o professor Osmar, do PT, me dizer:” Você parecia o Luther King argumentando…”

Fica aqui a reflexão de outro membro da comunidade negra de Sorocaba. Verônica Silva: “Não pela relevância do cargo; tampouco por racismo reverso, já que os negros não ocupam espaços de poder; mas se não tem preconceito no governo, por que o Crespo não nomeia um (a) secretário negro? Ou dois? Ou faz igual o Canadá; metade homem; metade mulher. Se ele nomear um negro apenas para o secretariado, irei certamente ver ele e seu governo a darem o primeiro passo de equidade o que daria sustentação ao seu discurso de hoje revelado na entrevista para você”.

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que em Sorocaba 35% da população é composta por quem se autodenomina afrodescendente.

 

FOTO: O servidor público de carreira, Maurício José Barisson, nomeado por Crespo para a Coordenadoria de Igualdade Racial, e Maria de Lourdes Moraes que ocupou o cargo até o final do ano passado na Prefeitura de Sorocaba

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