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Não consigo imaginar minha neta, que logo vai fazer 10 anos, andando sozinha por onde ela deseje. Tenho tanto medo que algo lhe aconteça. Não confio na humanidade. 

Mas nem sempre foi assim. O mundo, quero dizer.

Desde muito criança eu ia sozinho e a pé para a escola e também voltava. Saia de casa e ia longe, andando, sempre atrás de uma bola. Teve um domingo que fomos (as crianças da rua) ao Quinzinho, o nome do zoológico, do outro lado da cidade. Teve dia de andar por dentro da tubulação de esgoto, embaixo na rua. Eram horas das tardes longe de casa. Imagina se isso é possível hoje! 

Era escola e rua. Depois escola e clube. Depois escola de manhã, tarde (Senai) e noite (Colegial). Depois estudar em outra cidade. E trabalhar…

Na rua, jogar bola (ninguém falava jogar futebol e vôlei e basquete não existiam) era a rotina de todos os dias, mas tinham brincadeiras como Polícia e Ladrão, Roubar Ouro na Casa do Besouro, Queimada, Unha na Mula, Saquinho, Soltar Papagaio, Indinho e Forte Apache, Carrinho de Rolimã… Uma brincadeira, em especial, eu adorava: No asfalto, com um pedaço de tijolo ou giz, quando conseguia-se um, a gente desenhava os comandos de uma nave espacial e viajávamos para onde a imaginação levava. Éramos o comandante e narrávamos manobras, pousos, combates, aterrissagem. Era “real” aquela viagem.

De vez em quando uma mãe saia na calçada ou olhava pela janela para ter certeza de que estava tudo bem. 

Um dia, quando montamos as estacas de varetas para jogar Bets, as mães de todos chamaram seus filhos. A minha foi enérgica. Não podia brincar de Bets. Era perigoso. E na minha memória, então, apareceu pela primeira vez a palavra Bertito. Não vai brincar disso, veja o que aconteceu com o Bertito… Essas palavras de minha mãe ficaram gravadas em mim.

Bertito tinha 8 anos a mais do que eu. Ele era da turma do meu irmão. Um dia, jogando Bets (uma espécie tupiniquim de beisebol) o taco do rebatedor furou um dos olhos de Bertito. Um acidente. Um acaso.

Bertito teve sua vida marcada por isso. 

Aos 64 anos, depois  de vir sofrendo com complicações de saúde, Bertito, diminutivo de Roberto, seu nome de batismo, morreu. Sua morte aliviou seu sofrimento. Roberto Escames terá sepultamento no Memorial Park nesta quarta-feira.

Bertito era comerciante. Dos bons. Puxou do avô Zamur, de origem turca, árabe, nunca soube. Mas bom de negócios. Bertito era cantor de seresta, também dos bons. E isso puxou da mãe, dona Fina, amiga de minha mãe. Dona Fina deve ter, se eu não estiver enganado, 96 anos.

É um dia triste para todos nós que crescemos juntos na Vila Santana.

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