É preciso encontrar a subjetividade que permeia a nossa sociedade

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Os frágeis laços entre humanos e a liquidez de suas relações são massacradas como marcas do dia a dia das pessoas neste século 21. E são vários os motivos e razões para isso. Porém, quando o inusitado aparece, ainda há ternura, solidariedade e uma sensação de que não se é apenas parte de uma engrenagem, mas resta um instinto de individualidade em cada um capaz de levar ele a exercer seu livre arbítrio.

Digo isso após, involuntariamente, ter passado as últimas duas horas e meia parado na rodovia Castello Branco, entre 13h30 e 16h, um quilômetro antes do pedágio de Itu em razão de um acidente entre duas carretas – uma carregada de serragem bateu na traseira de outra de cerveja e ambas pegaram fogo que se alastrou ao mato do acostamento.

Não havia alternativa a não ser esperar (até que o que precisava ser feito fosse feito pelo Corpo de Bombeiro e Polícia Rodoviária) ou abandonar o carro no meio da rodovia e ir embora a pé. Essa opção foi feito pelo personagem de Michael Douglas no filme Um Dia de Fúria, de 1993, que retrata a perda da pulsão do prazer e retrata um homem comum sufocado pela falta de possibilidades.

Aos poucos, dezenas de pessoas começaram a caminhar no sol ardido e forte mormaço rumo ao acidente para ver o que estava acontecendo, afinal se via apenas uma fumaça preta. Outras sentaram-se no acostamento da rodovia. Cabisbaixas e em silêncio. Um clima pesado. Ar de angústia. Sentimento de desesperança. Eu observava tudo e comecei a notar que com o passar do tempo pessoas que nunca teriam trocado um olhar, sequer uma palavra, estavam conversando. Um moça emprestou o seu celular a um moço que ligou ao pai para contar o que estava acontecendo e que não era para ele se preocupar. Nessa hora imaginei que ali poderia ter nascido um relacionamento e quem sabe um casamento, filhos… Um jovem loira, de camiseta com o símbolo do Batman desceu do Cometa e entabulou uma longa conversa com outra moça que também estava no ônibus e seguramente elas não conversariam até São Paulo pois ambas estavam entretidas com o seu celular. Mas o sinal naquele trecho variava de intensidade e era preciso achar o melhor lugar para ter acesso à rede.

O motorista de uma carreta de Santos sentiu ânimo para limpar seu veículo, passava pano capriochosamente na roda. Para quê? Pensei eu, vai sujar de novo. Quem limpa a roda do carro?

As pessoas que caminharam muito para ver o que havia acontecido voltavam e demonstravam alegria em poder compartilhar o que descobriram: vai demorar, tá feia a coisa, muito vidro na pista, logo a gente vai embora…

A verdade é que me dá esperança no ser humano quando o vejo diante de situações de claro confronto, conflito e de poucas alternativas: eles se mostram individuais a ponto de exercer sua individualidade amorosa e fraternal e desligam-se da individualidade de ser um componente de uma engrenagem que faz o que autonomamente.

Há uma chance de dias melhores, é preciso que se encontre a subjetividade que nos permeia.

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