Homem sem problema 

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Meus problemas, ainda bem, se limitam à falta de dinheiro. Aquele dinheiro suficiente para passar bem o mês pagando tudo o que nos enrola e atola.

Senti muito isso na manhã de domingo, logo que acordei, umas 7h. Abri o celular e corri os olhos no noticiário. Parei no resultado da Mega-Sena, que eu havia apostado no jogo no dia anterior, e fui sendo inundado por um bem-estar a cada número que li. O primeiro, acertei. O segundo e terceiro, também. Errei o quarto. O quinto e sexto, também. 

Não há prêmio para quem acerta três números, mas isso não foi empecilho para eu sonhar acordado por alguns minutos com meus olhos abertos fixos no teto branco. 

Não sonhei com nada virtuoso, o que achei bastante sintomático. Sonhei em trocar a fechadura do quarto, quebrada desde o vendaval do fim do ano passado quando a porta bateu com uma força assustadora; com a limpeza da fossa, que venho adiando; em trocar as lâmpadas queimadas; em replantar a grama pisoteada pelo cachorro, em comprar meus remédios do coração (que tomo há cinco anos, embora nunca eu tenha tido problema, mas para prevenir já que meu irmão teve), pagar a quem devo… Depois sonhei em ir num restaurante e escolher o que comer e beber pelo que está no lado esquerdo do cardápio. Depois pensei em ir na feira e comprar o tomate que eu quero, que hoje está 15 reais o quilo, e não o de 8 todo machucado. Compraria uva, morango, que estão fora de época e custam mais de 20 reais. 

Passei boa parte do domingo sem a irritação que se apropriou devagarzinho de mim nos anos que sucederam a pandemia. Passei boa parte do domingo me sentindo o sortudo que sempre fui. 

Então a realidade se impôs. Acertar três números da Mega-Sena não é nada diferente do que acertar nenhum, o que sempre acontece desde que eu jogo na loteria. Um amigo, jogador corriqueiro das loterias, me diria que a sorte está chegando e, na prática, isso significa acreditar que logo eu vou acertar quatro números, depois 5 e enfim o grande prêmio. Ele diria que isso significa acreditar. Não que vá acontecer, mas eu acreditar que vá.

Não acredito em nada que não seja lógico há bons tempos. Isso não é bom. Ser um crente que acredita no que te dizem, dependendo do que te dizem, é reconfortante. Até revigorante. Mas eu não sou assim. Não há nada mais em que acreditar. 

Mas uma coisa me intrigou, uma frase que li no Facebook dias atrás, não me lembro quem publicou e nem o autor dela, dizendo que se seus problemas podem ser resolvidos com dinheiro você não tem problema algum. Ela não me significou nada, quando li, mas estava em meu subconsciente e veio à tona quando soube da morte de uma criança de 5 anos ocorrida neste final de semana. Sua mãe, uma jovem que ainda não tem 30 anos, explicou que o filho tinha uma leucemia grave que nunca deu sinais e que se manifestou numa febre repentina e morte. Perder neto, filho, sim, é um problema. Não espero, jamais, passar isso.

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