Certamente a morte do empresário J. Hawilla (ocorrida na manhã de hoje) fica marcada pelo fato dele ter sido um dos delatores do caso Fifa Gate, que apontou denúncias de corrupção na entidade máxima do futebol, no caso investigado pelo FBI (Departamento de Justiça dos Estados Unidos) e a Receita Federal dos Estados Unidos. A investigação revelou casos de corrupção na Fifa durante 20 anos e Hawilla fechou um contrato de delação com a Justiça americana em que se comprometeu a devolver US$ 151 milhões (algo em torno de meio bilhão de reais). Ele pagou essa multa e ficou nos Estados Unidos desde 2013, até voltar ao Brasil neste ano.
Aliás, é compreensível essa marca. Mas seria absolutamente injusto deixar de dissociar esse aspecto de sua biografia (da qual abomino) daquela marcada por uma trajetória de sucesso.
Descendente de libaneses, o sangue de negociante pulsou em suas veias e pude ver isso ao longo dos 7 anos em que tive a oportunidade de conviver com ele enquanto fui o editor responsável pelo jornal BOM DIA em Sorocaba. Ele me ensinou o que era custo e como combate-los (ele dizia que custo é como unha, cresce todo dia). Hawilla sabia formar times e ouvir, tinha humildade para aprender, e perceber que o que é óbvio para alguém pode ser absolutamente de difícil compreensão para outros. Assim, aprendi a importância de cortar custos e ele que alguns valores, no fazer jornalístico, são investimentos. Um Jornal é como uma Catedral, ou seja, não se constrói de um ano para o outro. Algumas vezes é preciso de décadas para que ele pare em pé sozinho. Esse era o BOM DIA. Ninguém naquele projeto queria uma igrejinha improvisada num barracão para vender ilusões imediatas a alguma alma desesperada. Erámos um time imbuído de construir com credibilidade a prática do jornalismo sem amigos ou inimigos, algo tão raro naquela década quanto nos dias atuais de tantas falsas notícias com aparência de serem verdadeiras.
Magro, vaidoso, de cabelos bem cortados (o que pode ser um paradoxo para quem não é careca e não percebe a dificuldade de se cuidar do pouco que se tem), sempre bem vestido, e sempre cheiroso, Hawilla tinha força apenas por sua presença. E não apenas diante de seus subordinados. Estive com ele diante de governadores do Estado, ministros, jogadores famosos, empresários e ele sempre emanou o mesmo poder de atenção, persuasão e condução.
Me lembro, no ano de 2010, quando o Brasil estava no auge econômico e o mundo vivia o reflexo da quedradeira de 2008, Hawilla dizendo que quem sobrevivesse a 2015 teria alguma chance de chegar em 2020 quando, na visão dele, é que o Brasil vai reencontrar o caminho do crescimento e desenvolvimento. Ele sabia disso em razão da obsessão que demonstrava ter pelo controle. Hawilla precisava sentir que tinha as rédeas nas mãos e cercava-se de pessoas para projetarem cenários futuros para os negócios. Obviamente que ele não previa nada – em que pese o atormento da superstição que ele tinha com o número 7 (que era o de bons momentos) e com o 4 (que ele tanto abominava) – apenas tinha inteligência para saber que rumo tomar com os negócios. Ter sido surpreendido pela Receita dos Estados Unidos, ter visto a ruína do Brasil após a eleição de 2014 e ter acompanhado a Lava-Jato não estavam no seu radar, suponho.
Hawilla tinha retornado ao Brasil há cinco meses, depois de passar cinco anos nos Estados Unidos. Enquanto morou lá, ele mantinha a mesma conta de email e, através dela, troquei alguns idéias com ele. Falava sobre qualquer assunto, menos o de sua delação. Sobre isso se calava. Ficava calado. Até que sobre um novo tema, voltava a mês responder. Achei que haveria muito tempo para reencontrá-lo por mais que soubesse de seu câncer, que é algo que se tornou público. Semana passada, mesmo, perguntei a um colega da TV TEM se ele já havia vindo para cá neste ano. Não tinha.
J.Hawilla morreu aos 74 anos, muito jovem, ainda mais para os nossos padrões. E deixa uma lacuna e um legado que seus herdeiros, seguramente, saberão manter vivos.
Por fim, que fique claro: Obviamente que ele não era meu amigo, uma vez que eu havia sido apenas funcionário de uma de suas empresas. Mas, obviamente também, que pelo cargo que eu ocupei dentro de projeto tão importante que foi o BOM DIA tivemos a proximidade necessária para que nos falássemos com franqueza. Não havia hipocrisia. Não havia o Hawilla público e o privado. Seus valores éticos eram sólidos. Óbvio, eu sei, o leitor deve estar se dizendo: mas ele ficou preso por corrupção, onde está a ética? Está na praticidade do empreendedor que ele sempre foi. Está na remuneração justa daqueles que se juntaram a ele para construir um projeto. Está em sua lealdade em cumprir o que foi combinado. De cada centavo dos 151 milhões de dólares que Hawilla pagou de multa ao tesouro do Estados Unidos, quero crer, saíram de alguém no mínimo tão esperto quanto ele. Em sete anos, nunca vi ele tirar nada de quem não fosse igual ou maior do que ele. Lamento, agora um segredo eterno, saber que ilusão possa ter motivado Hawilla a ter enveredado pela opção que tomou em seus últimos anos.
Estava no ar, na manhã de hoje, quando uma pessoa me perguntou se era verdade que ele havia morrido. Não havia notícia em nenhum site até aquele momento. Em segundos, o fato foi confirmado pela direção da TV TEM e anuncie o ocorrido. Minha voz embargou e senti, então, que independentemente do que tenha feito ou deixado de fazer J.Hawilla era alguém de quem eu sempre gostei. Foram dezenas, talvez ate mais que uma centena de histórias que vive nos 7 anos de convívio com J.Hawilla. Histórias para serem contadas num dia desses qualquer…
FOTO: Primeira equipe dos editores-chefes dos jornais BOM DIA Bauru, Jundiaí, Rio Preto e Sorocaba e direção do jornal (J.Hawilla, ausente da foto, tinha presente suas idéias)