Meus carnavais

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Descobri o Carnaval aos 5 anos de idade quando eu fui impedido de entrar na matinê do Santana Atlético Club que ficava dois quarteirões acima da rua de casa. Eu estava sozinho e queria juntar confetes no salão. Tive que voltar pra casa. Chorando, me lembro bem. Ter sido barrado no baile me calou fundo.

Hoje é inimaginável que uma criança, mesmo com 10, 11, 12 anos vá sozinha a um lugar qualquer, mesmo a duas quadras de distância, no bairro. Mas em 1972, não. Era até “normal”.

Outra lembrança que este período me traz, de quando eu tinha 7 anos, é a feijoada do Vadeco. Ele ocupava nosso campinho, um terreno murado na esquina das ruas Moreira Cabral com João Nascimento, que servia para nossas guerrinhas de mamonas até os jogos de futebol. O dinheiro arrecadado na feijoada era para botar na rua sua escola de samba, a Show Brasil. E que feijoada! Seu sabor segue vivo em minha memória. Couve-manteiga bem fininha, farinha de mandioca torrada, arroz branco, feijão preto com caldo grosso. Seguramente foi a primeira vez que comi. Em casa, a comida de domingo era macarrão e do dia de semana arroz e feijão e bife, batata frita.

Com uns 10 anos, a grande atividade do Carnaval era a “guerrinha” de água. Bexigas, bico de chupetas e bomba (um cano de PVC com pedaço de cabo de vassoura) eram nossas armas para molharmos uns aos outros.

Aos 12 anos, o Carnaval se tornou sinônimo de ir a Cerquilho no sítio da tia Zizinha. Eu me lembro de ter lido “A Ilha Perdida” e no lago do sítio, num bote, remando sozinho, eu ter transformado aquele passeio na aventura do meu livro. Minha imaginação era já bem fértil.

Aos 15 anos, Carnaval passou a me significar os bailes na sede campestre do Clube União Recreativo (foto). Carnaval era o difícil exercício de dominar os hormônios e a culpa por tanto desejo. Desejo por admirar minhas amigas que nos dias de folia sempre estavam com menos roupa, mostrando costas e pernas, como iam na piscina. Mas uma coisa é estar estática, tomando Sol. Outra é o movimento. Nada é mais belo que o corpo feminino em movimento! Carnaval era dominar minha culpa por desejar o corpo feminino com uma “força estranha”, como cantou Caetano Veloso.

Nesta época, de minha adolescência, liderados por Marco Chita, um morador ícone da Vila Santana, os marmanjos se fantasiavam de mulher, com saias, perucas e batom, para a partida de futebol mais engraçada do ano. Eu era proibido de fazer parte dessa extravagância.

Foram esses meus carnavais. Todos uma marca e referência da contagem regressiva para a Páscoa. Carnaval, a partir da Quarta-feira de Cinzas até a Sexta-feira Santa, era dias de espera para quando Cristo seria crucificado para ressuscitar no domingo seguinte, o de Páscoa. Essa nunca foi apenas uma mitologia ou estorinha. Foi, sempre, viver a dor de um parente. Cristo sempre foi real em minha casa, em minha história de criança e adolescente. Faltava apenas ser de carne e osso, no mais foi figura muito presente. Mais até que Deus!

Então chegaram os carnavais da vida adulta. O que significou, pra mim, o fim do Carnaval. Tudo ficou sem sentido. Nos primeiros anos eu ainda ia no desfile das escolas na avenida Afonso Vergueiro, onde era improvisado o sambódromo com arquibancadas móveis. Depois Carnaval virou sinônimo de reunir seleto grupo de amigos, a maioria casalzinho, para maratonar “filmes cabeça” no videocassete. Ir à locadora e escolher os melhores era o ponto alto da Sexta-feira de Carnaval.

Nunca fui à Marques de Sapucaí, Anhembi, Vila Madalena, Circuito Ondina, Olinda, Galo da Madrugada, Bola Preta… Nunca fui a bloquinhos. Nunca fiquei acordado uma madrugada sequer para ver desfile na TV. 

A ironia do destino me reservou a responsabilidade em 2005, sendo eu era o primeiro secretário da Cultura de Sorocaba, de recriar o Carnaval de rua da cidade que em 1996 havia sido cancelado pelo então prefeito Renato Amary. Uma retomada que manteve fôlego até o governo passado.

Ironia do destino quis que eu fosse um dos que assinou a ata de fundação do bloco “Depois a Gente Se Vira”, o mais antigo em atividade em Sorocaba.

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