Morre Primo, o imigrante espanhol, que deixou o país sob a ditadura de Franco, e se tornou o ícone da boemia sorocabana dos anos 70 e 80: Se foi o mestre da arte de receber e servir

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PrimoPrimeiramente recebi do Pacheco (cuja profissão é corretor de imóveis, mas na prática é um semeador de esperança de que dias melhores já estão chegando) – num dos grupos de Whatsapp do qual participo – o convite para a missa de 7º Dia do Primo Alvarez Fernandez.

Foi como saber da morte de alguém da família muito depois. Alguém querido, mas não próximo. O pesar bate de uma maneira melancólica. É difícil enfrentar o instante do seu encontro com o agora.

Primo foi uma referência da vida noturna de Sorocaba entre o final dos anos 60 e meados dos 80. Ele tinha o sorriso estampado no rosto e palavras, carregadas de entusiasmo, cujo o sentido pouco importava diante da energia positiva que dela denotavam. Ele fazia com que cada cliente que entrasse no Tropical se sentisse o mais querido e especial. Primo tinha o dom de receber e a competência de servir.

Tomando café na Real na manhã de domingo passado com os colegas jornalistas Pedro Guerra e Adalberto Vieira, Pedro falou que Hélia Neves Fernandes, ícone do colunismo social sorocabano postou uma homenagem a Primo. Pardal, como é conhecido o Adalberto, lembrou do Tropical como referência de gastronomia e bar da cidade e das infinitas vezes em que o Primo o atendeu. Pardal, sem medo de errar, entre as décadas de 70 e 90 foi um dos bons bebedores da cidade. Hoje ele se diverte com uma taça diária de vinho tinto. Quase como remédio.

Foi Pardal que me contou uma história do Primo. A de quando ele deixou a Espanha junto de um irmão. Ele chegou aqui e o irmão nos Estados Unidos. Em pouco tempo Primo era querido no Tropical e por todos os que iam a bares. Seu irmão, não tenho a menor condição de afirmar se era querido, neste mesmo pouco tempo, tinha 4 restaurantes em Nova York e precisava de ajuda de pessoas de confiança. Não precisou muito para convencer Primo a ir para lá levando na bagagem o know-how adquirido no Tropical. Ele vendeu o que tinha e se despediu dos amigos. Três meses depois estava de volta. A mulher não havia se acostumado com Nova York. Bom… É o que Primo dizia. Para quem tocasse no assunto ele mostrava seu Green Card (cartão verde que é o visto de trabalho do estrangeiro nos Estados Unidos). Pardal, ao contar a história, também lembrou que Primo se sentia constrangido com seu “fracasso” ao não ter ficado nos Estados e não procurou o Toninho do Tropical para reaver seu posto. Nessa época o prefeito era Paulo Mendes que arrumou trabalho ao Primo na Prefeitura de Sorocaba como coordenador da merenda escolar.

O Tropical ficava (na sua fase final, naqueles anos) na rua da Penha, onde hoje tem um estacionamento de carro, mas a entrada era pela rua do lado, na Padre Luiz. Dentro do restaurante tinha uma Figueira gigantesca. Mas faltou visão aos donos para transformar a árvore em atrativo como os donos do Rubayat tiveram na rua Haddock Lobo em São Paulo. Estive lá há 15 dias (um dia eu conto com quem e sobre o que falamos). O Tropical fechou até que a família do seo Toninho Carmona, há uns 15 anos, pouco mais ou menos, reabriu o Tropical na esquina das avenidas Comendador Pereira Inácio e Whashington Luiz. Foi lá, há um três anos, que vi o Primo pela última vez. O cabelo branco dominava o que lhe restava atrás, já que desde sempre foi careca.

Primo perguntou do meu pai. O que me surpreendeu, pois não sabia que eram amigos. Perguntei se havia lhe servido ele disse que não. Que dividia o copo com meu pai. Ele, como meu pai, criava passarinho e levava em competição de canto. Primeiro de canário. Depois de curió. Meu pai botava um disco de canto de Curió para o passarinho na gaiola aprender.

Perguntei a Primo se ele ainda recebia todos com um sorriso e, para minha surpresa, confesso, ele disse que não. Disse que antes um sorriso era um cartão de visita, mas hoje os políticos e artistas tomaram conta do sorriso para tirar alguma coisa da gente.

Fiquei intrigado com essa observação do Primo e desde então penso nisso. Quando vejo novela antiga no canal Viva, como Tieta em cartaz atualmente, e os dentes são “normais” e não como de políticos e artistas me lembro do Primo. Quando vejo políticos sorridentes me lembro dessa observação do Primo. Os políticos roubaram a confiança do cidadão.

Eu, que já fui chamado de aeromoça por sempre ter um sorriso a oferecer (essa é uma outra história para outro dia), dou razão ao Primo. Vivemos tempos difíceis. Me peguei explicando à minha mulher, que perguntou o que está acontecendo comigo, que sempre acreditei no futuro e hoje ando desanimado, que me sinto como se estivesse à frente de um pelotão de fuzilamento, esperando o tiro de misericórdia, porém esse tiro não chega. Uma angústia que entristece. São meses e anos que se arrastam (o professor Flaviano vem anunciar dias melhores, leia postagem a seguir).

Ao saber da morte do Primo me pergunto se era assim que ele se sentia na Espanha sob a Ditadura do Franco (que durou de 1939 a 1975) quando imigrou.

Obrigado pelos sorrisos e histórias Primo.

Tropical Grill Restaurantes

No dia 12 de setembro, às 8h17, o Tropical divulgou a seguinte Nota: Informamos a todos nossos clientes e amigos que na noite de ontem 11/09/2017, tivemos a notícia mais triste de nossa história.

Perdemos um amigo, um garçom, um exemplo, perdemos parte do Tropical, é muito triste dizer que na noite dessa segunda-feira uma parte de nossa família se foi. Neste momento de tanta dor, podemos refletir sobre aquilo que realmente somos, e aquilo que realmente é valioso nessa vida.

Nenhuma técnica de gestão, nenhum conhecimento técnico, por maior que seja, nos trará de volta a possibilidade de termos uma pessoa única e tão incrível em nosso atendimento. Hoje podemos ter a compreensão exata e uma certeza fortalecida, de que nosso maior diferencial é Deus , e pessoas, são esses nossos maiores diferenciais.

Ontem nosso garçom mais antigo trabalhou perfeitamente, com seu intenso comprometimento e amor dedicados à profissão durante todos esses maravilhosos anos, após duas horas nos deixou com uma saudade gigantesca.

À esposa Carmo e os filhos Nélida e Fernando, nossos sinceros sentimentos, vocês tiveram um homem incrível em sua companhia, seremos gratos por toda nossa vida.

Pedimos a todos nossos clientes compreensão com nossa expressão de tristeza, pois é um momento de muita dor e saudade.

A despedida do corpo será realizada no Velório Ofebas Sorocaba entre 13 e 16 horas na tarde dessa terça-feira 12/09/17. Que todos que conheceram essa pessoa fantástica, possam dedicar alguns minutos de seu tempo para o consolo da família.

Primo Alvarez Fernandez, seremos, para sempre, gratos.

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