Motoqueiro passa em alta velocidade pelo sinal vermelho no semáforo de pedestre da praça Nilson Lombardi. Este fato é apenas a imbecilidade de um jovem ou há algo na formação dele que deformou seu sentimento de pertencimento?

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SinalVermelho

Jaime Germano, acho que esse era o seu sobrenome, era o diretor da Escola Estadual de Primeiro Grau Genésio Machado, na Vila Santana, onde estudei da 1 à 8° série praticamente com os mesmos colegas ao longo dos referidos 8 anos do hoje chamado ensino fundamental.

Toda sexta-feira havia o hasteamento das bandeiras do Brasil, São Paulo e Sorocaba. Ao som do instrumental que saia dos parcos alto-falantes do pátio da escola os alunos soltavam a voz: ouviram do Ipiranga às margens plácidas. … Uma letra de Duque Estrada, recheada de símbolos, simbolismos, representações e referências que somente já adulto, quase diplomado em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, fui dar conta de tamanha complexidade dela. Mas pouco importava aquela letra e hino comparado com a ansiedade de ser a classe escolhida para levar a bandeira e, principalmente, ser o aluno que puxaria a corda que levava a bandeira até o topo do mastro.

Sempre havia antes desse momento alguma espécie de recado. Havia a exaltação de alguém ou algum personagem da história. Até mesmo dramatização da mensagem. Me lembro de ter usado um capuz preto de pano, feito por minha mãe em sua máquina Singer, para interpretar o carrasco de Tiradentes.

Mas de tudo o que podem ter dito nas manhãs daquelas sextas-feiras, apenas uma me preocupava. De verdade me preocupava. Me deixava ansioso. Me fazia pensar naquilo mesmo quando não queria pensar em nada. Seo Jaime dizia, mas ele não tinha a força e o carisma e diria, mesmo, o terror do professor seo Etevaldo de Educação Moral e Cívica. A mensagem que saia da boca do seo Etevaldo feriu a ferro quente minha alma. Seo Jaime era protestante em meio a muitos católicos. Era o seo Etevaldo que dominava às mentes daquelas crianças todas. Bom, dominava a minha com A mensagem: o futuro do Brasil está nas mãos de vocês. Em alguns momentos cheguei até olhar literalmente para minhas mãos. O que aquilo queria dizer? O que deveria fazer? Como poderia ajudar o Brasil?

Aqueles momentos na escola, outros tantos na Igreja Santa Rita (aquela antiga que segue lá na Vila Santana, não aquele impessoal templo que foi construído pelo comando do padre Tadeu) sob o comando dos freis franciscanos em especial o Atílio. Os momentos na vizinhança da rua Moreira Cabral com figuras tão marcantes como Seo Mário, donas Dirce, Maria, Lurdes, Alfa; além de momentos nas quadra de tênis, piscina e campo de futebol do Estrada forjaram muito do que sou. Obviamente que em casa a influência era a maior. Minha mãe esteve presente durante todos os dias da minha infância e adolescência. Um privilégio!

Me lembrei de tudo isso numa fração de segundo na hora do almoço de sábado, próximo das 13h, parado no vermelho do semáforo que bem em frente a Casa do Cidadão na praça Nilson Lombardi na junção dos bairros Júlio de Mesquita e Ipiranga, zona Oeste, de Sorocaba. Esse semáforo é para o pedestre que acessa o terminal de ônibus que fica ali. Sempre vejo mães empurrando carrinhos de bebê naquela faixa de pedestre. Ali, à espera do verde, sou surpreendido pelo som alto do escapamento de uma moto que passa em alta velocidade pelo vermelho.

Que transgressão idiota!

Não aconteceu nada. Ninguém foi atropelado. O jovem idiota não se espatifou no poste como, admito, no meu mais profundo íntimo, posso ter desejado. Conscientemente não desejo. Mas ali talvez tenha desejado que ele tivesse sofrido algum castigo (?). Mas nenhuma divindade assim agiu.

Lembrei-me daqueles momentos de hastear a bandeira, do frei Atílio e do meu pai dizendo que deveria fazer o certo sempre, mesmo que não tivesse ninguém olhando. Lembrei que eu era o futuro. Que o futuro é do jovem. Mas, infelizmente, aquele jovem da moto passando no vermelho do semáforo, e todos os inúmeros jovens que assim agem, não são o futuro coisa nenhuma. São o passado.

Queria muito responsabilizar aquele motoqueiro pela imbecilidade de seus atos. Por não ter assumido sua responsabilidade com o futuro. E ter aceitado ser o presente do que o passado fez com ele.

O que o Brasil fez com ele? O que fez a cultura ocidental que “terceirizou” a educação dos filhos ao não deixar uma mãe ou pai junto de seu filho enquanto ele “cresce”? O que fez a nossa cultura ao gerar filhos e mais filhos sem pais, apenas mães, como se gerar uma nova vida não fosse uma responsabilidade primeira de quem decide fertilizar/ser fertilizada?

Não quero com tudo isso dizer que o modelo de comunidade onde nasci seja o correto e o de hoje errado. Mas de expor que esse motoqueiro que passou em alta velocidade pelo farol vermelho não se sente parte de nada. Não faz idéia de quem seja ele no contexto das relações formais da sociedade. Não se sente acolhido e muito menos representado. Portanto, não se sente comprometido pelo futuro.

O que me anima é crer que aquele motoqueiro pode ser apenas um imbecil isolado fazendo bobagem. E não o reflexo da sua geração. Será?

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