Não há porque se desculpar Cláudio

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Em 1989, o ano da queda do Muro de Berlin, quando não havia internet e nem comunicação virtual, online e instantânea, eu morei entre o final de fevereiro e outubro em Haia, na Holanda, depois de passar por Madri, Lisboa e Paris. Recém-formado, eu vivia do dinheiro que ganhava fazendo bicos como ajudante em cozinha de restaurante; me virando como “faz-tudo” trocando o corinho da torneiro que pingava ou uma lâmpada que havia queimado; passando roupa (meu principal cliente era o diretor de uma Escola de Antroposofia, hoje um conhecimento bastante difundido, mas bem novo à época) e limpando residências (a que me marcou foi a da então diretora de restauração do Museu de Van Gogh).

Morando lá, perdi os fatos que se desenrolavam no Brasil como a primeira campanha eleitoral para a primeira eleição direta para a escolha do presidente da república depois dos 23 anos da ditadura militar; perdi a novela “Que Rei Sou Eu?” sucesso com Abujamra, Paulo Autran e Fernanda Montenegro; não tenho nem vestígio na memória de como São Bento e Palmeiras se desempenharam naquele ano.

Mas me lembro do quanto senti um vazio imenso com a morte de Nara Leão, parecia alguém de minha família, bastante querido, um amigo, que havia morrido e eu apenas conhecia um pouco de sua música. Me lembro do quanto os holandeses eram curiosos pelo Brasil a ponto de me perguntarem como conviver com jacaré, leão e outros bichos selvagens. Era uma decepção quando explicava a dimensão do Brasil e que o país era urbano, embora a selva ainda estivesse viva na Amazônia, Pantanal e áreas isoladas do litoral.

Me lembro disso tudo ao acompanhar a (falsa) polêmica sobre nossa, brasileiros, origem dita pelo presidente argentino, Alberto Fernández, que ao tentar explicar os laços históricos do país com a Europa, durante uma visita oficial do primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, tropeçou em suas palavras: “Os mexicanos vieram dos índios, os brasileiros vieram da selva, mas nós, os argentinos, viemos dos barcos. E eram barcos que vinham da Europa”, disse Fernández, referindo-se aos muitos imigrantes europeus que chegaram à Argentina. Embora tenha usado, posteriormente, o Twitter para dizer que não quis ofender ninguém e que pedia “desculpas” a quem se sentiu ofendido.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, usou sua rede social para postar a bandeira brasileira e escrever a palavra selva. No programa O Deda Questão na radioweb 365, ao vivo, hoje pela manhã, um ouvinte queria externar sua opinião sobre este fato e me surpreendi com uma postagem de Claudio Alejandro Lamedica em sua página de Facebook repudiando as declarações do presidente argentino sobre nossa origem, classificando-a de xenófaba. Quando vi, mais de 35 pessoas haviam comentado na postagem de Claudio e outras 85 ao menos curtido sua publicação.

Claudio, seguramente, é o mais famoso argentino morando em Sorocaba. Há 20 anos, arrisco a dizer, ele abriu o seu Bar do Argentino, primeiramente no Central Parque e já há alguns anos na rua Professor Toledo no centro. Ele foi agraciado com o Título de Cidadão Sorocabano, é envolvido com a comunidade e, por acaso, somos vizinhos e por isso eu sempre o encontro nas caminhadas. É uma pessoa ímpar. Transparente. Ou seja, Claudio era a última pessoa a sentir-se obrigado a se desculpar pelas palavras do presidente do seu país de origem.

Pessoalmente, entendo que Fernández não falou nada pior do que o presidente Bolsonaro ou o ex-prefeito Crespo, por exemplo, já tenham dito. Apenas o presidente explicita a sua ignorância, afinal nós brasileiros somos sim filho da selva, dos índios, África, Oriente, Europa. Somos filhos de tudo, Somos, seguramente, o país mais miscigenado do mundo. Ainda bem! Concordo que não são palavras que devam sair de um dirigente de Estado, mas também concordo que o falatório em cima dessas palavras, os compartilhamentos, os “ofendidos” com essas palavras como eu disse acima, criaram uma falsa polêmica. Ainda mais que o ignorante se desculpou logo em seguida.

Claudio, porém, parece ter percebido que por aqui o seguro morreu de velho, como diz o ditado. E sua postagem é a forma encontrada para se “vacinar” contra qualquer ignorante de nossos tempos. Mas, esteja certo,  não há porque se desculpar Cláudio.

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